Diabetes mellitus Understand article

Traduzido por Ana Luisa Carvalho. A taxa de incidência da diabetes tem aumentado significativamente, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em vias de desenvolvimento. Klaus Dugi, Professor de Medicina na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, apresenta as causas, sintomas e…

Estrutura da insulina
Imagem cortesia de Dean
Madden

Tendo origem no grego antigo, a expressão diabetes mellitus significa “sifão doce como mel” e vem do tempo em que o diagnóstico médico incluía a prova da urina de um paciente. Pelo seu gosto adocicado, o médico conseguia fazer a distinção entre diabetes mellitus e diabetes insipidus, uma outra doença que também aumenta o fluxo urinário.

O termo diabetes mellitus engloba vários estados da doença, com causas específicas e caracterizados por um aumento anormal dos níveis de açucar (glucose) no sangue.

Classificação

Em 1997, a Organização Mundial de Saúde e a Associação Americana da Diabetes acordaram numa nova classificação para a diabetes mellitus. As formas de diabetes mais frequentes são a diabetes do Tipo 1 e a diabetes do Tipo 2. A primeira manifesta-se tipicamente durante a infância ou adolescência, embora recentemente se tenha verificado que os adultos também podem desenvolver esta forma de diabetes, em alguns casos já por volta dos 40-50 anos de idade. A diabetes do Tipo 2 está principalmente associada a idades mais avançadas. No entanto, cada vez mais, este tipo de diabetes tem sido diagnosticado em jovens adultos, ou mesmo em adolescentes. Pensa-se que isto se deve ao aumento da taxa de obesidade. Outras formas de diabetes são a diabetes gestacional (que pode surgir durante a gravidez), a diabetes após remoção cirúrgica do pâncreas e outras formas raras de diabetes genética.

Epidemiologia

Cerca de 90% dos pacientes com diabetes mellitus possuem diabetes do Tipo 2. Estima-se que, ao nível mundial, cerca de 150 milhões de pessoas sofram deste tipo de diabetes. Nos próximos 20 anos, este número poderá duplicar. Este aumento verificar-se-á nos países desenvolvidos ou em países em vias de desenvolvimento, como a Índia e a China. Nos EUA, onde a prevalência da diabetes é elevada, calcula-se que uma em cada três pessoas irão contrair a diabetes do Tipo 2.

Patofisiologia

Situação normal

São várias as fontes de glucose para o organismo. É obtida a partir dos alimentos no tracto digestivo, directamente ou após a digestão de hidratos de carbono mais complexos, na qual se obtém, além de glucose, outros açucares simples. É sintetizada, principalmente no fígado, a partir de outras fontes de energia – este processo é designado de gluconeogénese. Por último, a glucose é obtida por degradação do glicogénio no fígado, nos músculos ou em outros tecidos, de acordo com as necessidades do organismo.

A glucose é transportada no sangue e absorvida pelos tecidos que dela necessitam. Após uma refeição, as células dos músculos recebem cerca de 80% da glucose do sangue. No entanto, em períodos de jejum, é o cérebro que absorve cerca de 50% da glucose. Esta discrepância deve-se provavelmente ao facto de a glucose ser a única fonte de energia do cérebro, pelo que o organismo tem que salvaguardar o fornecimento de glucose a este orgão. Se os níveis de glucose no sangue forem demasiado baixos (hipoglicémia), o funcionamento do cérebro é perturbado, surgindo sintomas como a falta de concentração, tonturas e desmaios, ou, em situações extremas, convulsões, coma e morte.

Regulação da glucose
Imagem cortesia de Dean
Madden

Os processos de absorção e libertação de glucose são regulados por hormonas. A insulina é a mais importante dessas hormonas, uma vez que é a única capaz de baixar os níveis de açucar no sangue. A insulina , sintetisada e secretada apenas nas células beta do pâncreas, consegue baixar os níveis de glucose no sangue promovendo a sua absorção por todos os tipos de células, reduzindo a gluconeogénese, e estimulando o armazenamento de glucose sob a forma de glicogénio.

Outras hormonas, como a adrenalina, a glucagon, a hormona da tiróide e a hormona do crescimento, contrariam o efeito da insulina e aumentam os níveis de açucar no sangue.

Resistência à insulina

A maioria dos pacientes com diabetes do Tipo 2, ou pré-diabetes, manifestam uma resistência à acção da insulina. Quando comparada com indivíduos normais, a insulina destes pacientes possui uma actividade mais baixa, mesmo estando presente em níveis normais ou elevados. O termo resistência periférica à insulina significa que a insulina é pouco eficiente na promoção da absorção de glucose pelas células dos músculos, e que, no fígado, a insulina não consegue impedir a produção de mais glucose e a degradação do glicogénio. Desta forma, a resistência à insulina causa hiperglicémia, um desequilíbrio que se manifesta por elevados níveis de glucose no sangue.

Diabetes do Tipo 1

A diabetes do Tipo 1 é uma doença auto-imune. Em indivíduos geneticamente susceptíveis pode surgir uma inflamação das células beta do pâncreas, quase sempre causada por uma infecção viral. Surge então uma total deficiência de insulina, uma vez que as células beta são as únicas capazes de produzir e secretar esta hormona. Como consequência, todos os pacientes com diabetes do Tipo 1 necessitam de uma terapia de compensação de insulina, com excepção do período imediatamente após o diagnóstico da doença, durante o qual ainda ocorre secreção residual de insulina.

Diabetes do Tipo 2

Estrutura do pâncreas
Imagem cortesia de Dean
Madden

A diabetes do Tipo 2 resulta da combinação de factores genéticos e ambientais. A influência genética é aqui maior do que na diabetes do Tipo 1: o irmão homozigótico de um paciente com diabetes do Tipo 2 irá, quase seguramente, contrair a doença. Por outro lado, são também determinantes, factores associados ao estilo de vida, tais como a dieta e o exercício físico. Por exemplo, em tempo de escassez de alimentos, a taxa de incidência de diabetes do Tipo 2 é muito baixa.

Incidência de diabetes entre
os índios Pima: interacção
gene-ambiente

Os índios Pima são um bom exemplo da conjugação entre factores genéticos e estilo de vida. Os que vivem no México exibem uma taxa de prevalência de diabetes de cerca de 8 %, enquanto que os índios que emigraram para os EUA exibem uma taxa de incidência de diabetes de cerca de 50%, consequência de um estilo de vida mais sedentário e de um fácil acesso a alimentos altamente energéticos (ricos em gorduras).

A obesidade é o principal factor de risco causador de diabetes do Tipo 2. Estudos epidemiológicos demonstraram que, quando comparados com indivíduos magros, os homens e mulheres muito obesos (com índice de massa corporal superior a 35) possuem, respectivamente, 60 e 90 vezes maior probabilidade de contraírem diabetes do Tipo 2 (ver figura). Quanto às causas genéticas, estas são múltiplas e são vários os genes responsáveis pela doença.

A obesidade como factor de
risco na diabetes do Tipo 2:
risco relativo para a diabetes
do Tipo 2 (corrigido em
função da idade)

Ao contrário dos pacientes com diabetes do Tipo 2 declarada, os doentes com pré-diabetes (caracterizados por uma resistência à insulina) não exibem hiperglicémia durante os períodos de jejum. No entanto, quando submetidos a um teste oral de tolerância à glucose, durante o qual são ingeridas 75 gramas de glucose, estes pacientes exibem níveis de açucar patologicamente elevados (ver Tabela 1). Estes pacientes são descritos como sofrendo de intolerância à glucose.

Durante um período limitado, as células beta do pâncreas conseguem produzir insulina suficiente e capaz de compensar a resistência à insulina. Como consequência, muitos pacientes pré-diabéticos exibem elevados níveis de insulina no plasma. No entanto, na maioria dos pacientes, a velocidade de morte das células beta no pâncreas excede a da sua formação, resultando na diminuição do número de células produtoras de insulina. Quando a necessidade crescente de insulina suplanta a capacidade da sua produção pelas células do pâncreas, o paciente declaradamente contrai diabetes do Tipo 2.

São três os principais factores que contribuem para a hiperglicémia:

  1. Resistência à insulina nas células dos músculos, o que leva à diminuição da sua capacidade de absorção de glucose.
  2. Não-secreção de insulina pelo pâncreas.
  3. Aumento da produção de glucose pelo fígado, como consequência da resistência à insulina.

Nos últimos anos demonstrou-se que o tecido adiposo e o sistema nervoso central também desempenham um papel importante na patogénese da diabetes do Tipo 2.

Diagnóstico

Sintomas

Os primeiros sintomas são não específicos e incluem fadiga, mal-estar geral, ou uma maior tendência para contrair infecções, por exemplo, na bexiga. Quando a hiperglicémia se acentua, os pacientes produzem mais urina e perdem glucose através dela. Isto leva aos sintomas de diabetes declarada, que são também os sintomas iniciais da diabetes do Tipo 1: aumento da frequência de urinar, o que leva a um aumento da sensação de sede, subsequente desidratação e perda de peso.

Acompanhamento

No seu período inicial de evolução, a diabetes do Tipo 2 é praticamente assintomática, permanecendo não diagnosticada por muitos anos. Infelizmente, é durante este período que surgem as complicações associadas à doença (ver mais adiante). Por esse motivo, é importante o acompanhamento dos pacientes em risco, tais como pessoas obesas, pessoas com antecentes familiares da doença, e mulheres que tenham manifestado a forma de diabetes gestacional. Esse acompanhamento faz-se monitorizando os níveis de glucose no sangue durante os períodos de jejum ou efectuando o teste oral de tolerância à glucose, descrito anteriormente. Na Tabela 1 encontram-se descritos os critérios mais importantes para o diagnóstico da diabetes.

  Normal Intolerância à glucose Diabetes declarada
Tabela 1: Critérios de diagnóstico da diabetes do Tipo 2
Glucose em jejum <110 mg/dl
<6.1 mmol/l
110-125 mg/dl
6.1-6.9 mmol/l
≥126 mg/dl
≥7.0 mmol/l
2 h após teste oral de tolerância à glucose <140 mg/dl
<7.8 mmol/l
140-199 mg/dl
7.8-11.1 mmol/l
≥200 mg/dl
≥11.1 mmol/l

O indicador mais importante da evolução da diabetes é o nível de hemoglobina glicosilada (HbA1c). A glicosilação não enzimática da hemoglobina ocorre tanto mais quanto mais elevado o nível de glucose no sangue. Uma vez que a hemoglobina é transportada nos glóbulos vermelhos, cujo tempo médio de vida é cerca de 120 dias, o valor de HbA1c é indicador do funcionamento do mecanismo de controlo da glucose nos três meses anteriores. Um valor de HbA1c inferior a 6,1% é considerado normal, na maior parte dos ensaios. Os pacientes com diabetes devem procurar manter este nível inferior a 7%, ou mesmo 6,5%.

Tratamento

O tratamento da diabetes fundamenta-se principalmente na educação dos pacientes acerca da patogénese da doença, das suas complicações, da dieta e da medicamentação, além de outros aspectos.

Todos os pacientes diabéticos necessitam de ser sensibilizados para adoptarem uma dieta e um exercício físico adequados, assim como para a necessidade, se fôr o caso, de diminuirem o seu peso corporal. Os doentes diabéticos que conseguem alterar radicalmente o seu estilo de vida e perder peso, possuem grandes hipóteses de se libertarem da doença. Infelizmente, são poucos os pacientes que o conseguem.

Se a dieta e o exercício físico não levarem a uma diminuição dos valores de HbA1c, terá que recorrer-se ao tratamento medicamentoso. Existem actualmente vários medicamentos de administração oral destinados ao tratamento das diferentes causas da hiperglicémia. A metformina reduz a produção de glucose pelo fígado, a sulfoniluréia estimula a secreção de insulina pelo pâncreas e a glitazona diminui a resistência periférica à insulina.

Se o valor de HbA1c se mantiver acima dos 7,0%, então há que recorrer à terapia por administração de insulina. A primeira acção é, quase sempre, a administração, antes de dormir, de insulina de acção lenta. Tal como os que padecem de diabetes do Tipo 1, muitos doentes de diabetes do Tipo 2, poderão necessitar de terapia à base de insulina. O tratamento pode incluir uma mistura de insulinas de acção rápida e lenta, duas vezes por dia, ou um regime intensivo com injecção de insulina de acção lenta à hora de dormir e/ou de manhã, e injecções de insulina de acção rápida após as refeições. A dose de insulina administrada deve ser adequada à quantidade de alimentos ingeridos, por forma a evitar situações de hiper- ou hipoglicémia.

Devido ao elevado risco de problemas cardiovasculares (ver mais adiante), é importante tratar não só os desequilíbrios do nível de glucose, mas também outros factores de risco de doença cardiovascular, tais como pressão arterial elevada ou altos níveis de colesterol.

Complicações

A elevada frequência de complicações associadas à doença reduzem significativamente a esperança de vida de um paciente com diabetes. A diabetes do Tipo 2, por afectar o sistema microvascular, é a causa frequente da perda de visão em adultos (retinopatia diabética). Da mesma forma, pode causar falência renal (nefropatia diabética) ou amputações (pé diabético). Estas são complicações que ocorrem frequentemente no mundo industrializado. A complicação microvascular mais frequente é a neuropatia diabética, uma doença dos nervos sensoriais, que se manifesta, nos pés e nas mãos, pela perda de sensibilidade a vibrações, temperatura ou dor. Em estados mais avançados, a neuropatia diabética pode causar dores severas.

Além das complicações microvasculares, a diabetes do Tipo 2 pode afectar o sistema macrovascular, aumentando de duas a cinco vezes o risco de doenças cardiovasculares, principalmente enfartes do miocárdio (ataque cardíaco) e acidentes vasculares cerebrais.

Perspectivas actuais

Actualmente, os ensaios clínicos procuram encontrar novas formas de administração de insulina (por via oral ou por inalação), assim como também procuram novos fármacos, mais eficazes e com menores efeitos secundários.

No entanto, dever-se-ia investir também nas medidas preventivas, controlando o aumento da obesidade e da diabetes, principalmente, nos países desenvolvidos, onde se pensa que ocorrerão a maior parte dos novos casos.


Review

Considerando o grande interesse e a importância social da diabetes mellitus, este artigo revela-se bastante adequado para a actualização dos conhecimentos de professores de biologia do ensino secundário.

O texto, dividido em parágrafos por forma a facilitar a percepção da informação, menciona todos os aspectos da doença, está escrito num estilo simples e explica de uma forma clara os termos técnicos.

Recomendo o uso deste material pelo professor como apoio a aulas de fisiologia humana e educação para a saúde. Os alunos de níveis mais avançados também poderão beneficiar desta fonte de informação na realização de trabalhos autónomos.

Giulia Realdon, Itália

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