Tradução de Isabel Queiroz Macedo.
A difracção de neutrões permite ver o que acontece aos eléctrodos numa bateria de iões de lítio.
As baterias de iões de lítio (iões-Li) alimentam os nossos telefones e computadores portáteis, e agora também alguns automóveis. No entanto, o lento progresso da tecnologia de baterias tem travado o desenvolvimento de automóveis eléctricos. Para ajudar a acelerar esse processo e a melhorar as baterias de iões-Li, os meus colegas e eu, no Institut Laue-Langevin (ILL) w1, construímos uma bateria muito grande para podermos ver melhor o que se passa no seu interior durante o funcionamento. Fizemos um filme que nos ajudou a ver como poderíamos melhorar os eléctrodos.
Sabemos que o lítio é um metal muito reactivo do grupo 1A da Tabela Periódica. Além de alimentar os nossos computadores, o lítio, um dos três elementos químicos criados no Big Bang, é também “combustível” nas estrelas.
E voltando à Terra, jazigos minerais e enormes lagos subterrâneos ricos em sais de lítio fornecem-nos anualmente cerca de 25 mil toneladas de lítio metálico. Uma grande parte é usada no fabrico de baterias de iões-Li, leves e recarregáveis.
As baterias de iões de lítio, tal como todas as outras, convertem energia química libertada em reacções redox espontâneas em energia eléctrica. Ao contrário de muitas outras baterias, as baterias de iões-Li são recarregáveis - aplica-se corrente eléctrica para provocar a reacção não espontânea. Quando a bateria está descarregada, ligamo-la à corrente eléctrica e assim ocorrem as reacções químicas inversas das que ocorreram enquanto ela estava em uso.
Como o nome indica, nas baterias de iões-Li a carga é transferida por iões lítio, carregados positivamente (Li+). Os materiais dos eléctrodos são compostos cristalinos: óxido de um ou mais metais de transição e lítio em um dos eléctrodos, e em geral grafite - que pode intercalar reversivelmente com lítio - no outro. Os eléctrodos estão mergulhados no electrólito, que permite que os transportadores de carga (iões lítio) se movam entre eles. As duas semi-reacções são, por exemplo, neste caso em processo de carga:
LiMn2O4 ⇌ Li1-xMn2O4 + xLi+ + xe-
xLi+ + xe- + xC6 ⇌ xLiC6
Quando a bateria está a descarregar (quando está a fornecer energia), os iões lítio movem-se do eléctrodo de grafite para o eléctrodo de LiMn2O4 (reacções inversas às indicadas acima); durante o recarregamento da bateria, movem-se no sentido inverso. Infelizmente, o número de ciclos de carga-descarga não é ilimitado - com o tempo, a entrada e saída repetida de iões lítio altera a estrutura dos eléctrodos e diminui a sua eficiência. Podemos fazer a analogia com o desgaste das nossas roupas com o uso e as lavagens. As calças de ganga favoritas já não nos servem tão bem como quando eram novas e, do mesmo modo, os iões lítio não se encaixam tão bem na rede cristalina dos eléctrodos. A bateria perde capacidade.
Portanto, para melhorar as baterias é preciso melhorar os materiais dos eléctrodos - o que significa que precisamos de entender como esses materiais se comportam com ciclos repetidos de carga-descarga. É aqui que intervém o ILL e a sua fonte de neutrões, que nos permite ‘visualizar’ as alterações na estrutura cristalina dos eléctrodos. A difracção de neutrões é uma excelente técnica para ver como os iões lítio se movem através dos eléctrodos, porque os neutrões são facilmente difractados por elementos leves como o lítio.
eléctrodo sofrem diferentes
alterações com os ciclos de
carga-descarga
Imagem cortesia do autor
Para investigar o que acontece nos materiais de eléctrodo durante o funcionamento, desenvolvemos uma bateria especial (Bianchini M et al 2013; 2014). O objectivo foi obter um filme de elevada qualidade de todo o processo. Para fazer o filme, criámos muitas imagens de difracção de neutrões dispersando-os pelo material do eléctrodo enquanto a bateria era carregada e descarregada. Em seguida usámos essas imagens para o filme, como num filme de animação em stop-motion; passando as imagens em sequência simulamos movimento e podemos ver o que realmente aconteceu no eléctrodo.
Primeiro, testámos e optimizámos o funcionamento de uma única célula, a metodologia e a qualidade dos padrões de difracção. Usámos para isso materiais de eléctrodo relativamente bem compreendidos, como o fosfato de ferro e lítio (LiFePO4), que é usado para fabricar eléctrodos seguros, baratos e de longa duração. Uma vez satisfeitos com essas experiências, estudámos o comportamento de novos materiais de eléctrodo baseados em óxido de manganês e lítio (LiMn2O4). O LiMn2O4 é um material interessante, já que proporciona elevada capacidade e elevada velocidade de carga-descarga, embora a capacidade diminua rapidamente com os ciclos de carga-descarga, o que impede a sua aplicação comercial. Modificámos ligeiramente a fórmula molecular e descobrimos que se aumentarmos a percentagem de lítio e diminuirmos a de manganês podemos melhorar esse aspecto.
Assim, com base na fórmula molecular LiMn2O4, sintetizámos três compostos com a fórmula Li1+xMn2-xO4, onde x é a quantidade adicional de lítio. Os três compostos tinham valores de x de 0, 0.05 e 0.10. Observando a estrutura cristalina e o comportamento dos três eléctrodos em ciclos de carga-descarga, verificámos que o lítio adicional reduz a capacidade útil da bateria, mas melhora a autonomia – a bateria não tem muita carga, mas descarrega mais lentamente.
E pudémos adiantar algumas causas:
Concluímos que o material de eléctrodo mais rico em lítio é muito melhor.
Mostrámos que a difracção de neutrões pode ajudar-nos a entender o comportamento dos iões lítio e das baterias de iões-Li, e encontrámos uma maneira de melhorar essas baterias. Como os resultados foram promissores, alargámos o estudo a composições diferentes, com níquel adicional (LiMn1.6Ni0.4O4), que permitem operar com voltagens mais elevadas e, portanto, com mais energia. Talvez um dia o nosso trabalho contribua para a termos carros eléctricos mais rápidos e duradouros.
A bateria especial que usámos nesta experiência tem eléctrodos maiores do que o normal, que nos permitiram obter padrões de difracção de neutrões de melhor qualidade. A característica mais importante desta bateria é a que resulta de termos utilizado uma liga de titânio-zircónio, que é transparente a neutrões, ou seja, não provoca dispersão de neutrões; eles atravessam o material sem sofrer perturbação. Deste modo, o sinal detectado provém apenas do eléctrodo de interesse - não há contribuições indesejadas. Também utilizámos electrólito deuterado, substituindo átomos de hidrogénio por átomos de deutério, mais pesados, para reduzir ainda mais a dispersão e melhorar o sinal obtido.
Apesar de a bateria ser maior do que o normal, as amostras que analisámos ainda eram pequenas (≈200 mg) em comparação com as quantidades normalmente requeridas para experiências de difracção de neutrões (≈1 g). Mas, graças ao elevado poder da fonte de neutrões do ILL e aos difractómetros de última geração de que dispúnhamos, obtivemos as imagens desejadas.
O Institut Laue-Langevin (ILL)w1 é um centro de investigação internacional com sede em Grenoble, França. Este instituto é líder mundial em ciência e tecnologia de difracção de neutrões há mais de 45 anos, desde que as experências começaram, em 1972. O ILL tem uma das fontes de neutrões mais potentes do mundo; dispara feixes de neutrões para um conjunto de 40 instrumentos de alto desempenho, que são constantemente melhorados. Por ano, 1200 investigadores de mais de 40 países visitam o ILL para realizar experiências de investigação nas áreas de física da matéria condensada, química, biologia, física nuclear e ciência de materiais.
O ILL é membro do EIROforumw2, o organismo que publica a Science in School