Traduzido por Artur Melo.
O estudo da composição química de algumas das rochas mais antigas do planeta revolucionou a nossa compreensão acerca do processo de formação dos continentes.
Stöckli, Nazmi El Saleous e
Marit Jentoft-Nilsen, NASA
GSFC
Por vezes mesmo os mais pequenos fragmentos de rocha podem esconder grandes segredos. A recente análise química de rochas africanas revelou que os continentes atuais podem ter iniciado a sua formação mais de mil milhões de anos antes do que se pensava até agora.
A Terra formou-se há cerca de 4.6 mil milhões de anos, a partir de materiais de uma nuvem molecular gigantesca chamada nebulosa solar. A gravidade levou estes materiais a condensar-se numa esfera – a Terra, com os mais densos a formarem o núcleo e os menos densos na constituição do manto. A crusta e a parte superior do manto – que em conjunto constituem a litosfera – formaram placas rigidas, que se deslocam horizontalmente sobre uma zona inferior do manto mais maleável – a astenosfera (figura 1).
A) Durante o eon Arcaico (entre 4 e 2.5 mil milhões de anos), a litosfera fragmentou-se em inúmeras pequenas placas.
B) Há cerca de 1000 milhões de anos, durante o eon Proterozóico, pensa-se que as placas se reuniram, formando uma única massa continental: Rodinia.
1: Sibéria; 2: Austrália; 3: Antártida Oriental; 4: Laurentia; 5: Báltica; 6: Amazónia; 7: África Ocidental; 8: Cratão do Congo; 9: Índia.
C) À medida que os continentes se começaram a separar e se juntaram novamente, deram progressivamente origem ao planeta que hoje conhecemos. Pensa-se que este movimento teve início no Proterozóico tardio, há cerca de 900 milhões de anos.
A distribuição destas placas sofreu alterações drásticas ao longo do tempo (figura 2). Há cerca de 2.5 a 4 mil milhões de anos – durante o eon Arcaico – a litosfera foi fragmentada em placas bastante mais pequenas que os atuais continentes. Mais tarde, durante o eon Proterozóico, essas placas juntaram-se formando um único supercontinente chamado Rodinia. É normalmente aceite que era esta a situação há mil milhões de anos. Subsequentemente, os continentes começaram a separar-se desta massa continental, formando progressivamente o planeta que conhecemos hoje. A fragmentação do Rodinia é conhecida como moderna tectónica de placas, que se pensa ter começado há cerca de 900 milhões de anos.
A) Durante o eon Arcaico (entre 4 e 2.5 mil milhões de anos), a litosfera fragmentou-se em inúmeras pequenas placas.
B) Há cerca de 1000 milhões de anos, durante o eon Proterozóico, pensa-se que as placas se reuniram, formando uma única massa continental: Rodinia.
1: Sibéria; 2: Austrália; 3: Antártida Oriental; 4: Laurentia; 5: Báltica; 6: Amazónia; 7: África Ocidental; 8: Cratão do Congo; 9: Índia.
C) À medida que os continentes se começaram a separar e se juntaram novamente, deram progressivamente origem ao planeta que hoje conhecemos. Pensa-se que este movimento teve início no Proterozóico tardio, há cerca de 900 milhões de anos.
À medida que este processo ocorre, as placas colidem. O movimento de uma placa por baixo de outra e o seu mergulho no manto, chama-se subducção (figura 1). A subducção é um processo lento que ocorre a pressões elevadas (cerca de 10 kbar) e a temperaturas inferiores a 500 ºC, e com um gradiente térmico inferior a 15 ºC por quilómetro.
verdes’ na região de
Essakane no nordeste do
Burkina Faso. Em primeiro
plano podemos ver rochas
vulcânicas, chamadas
basaltos, fracamente
metamorfoseadas.
Imagem cortesia de Lenka
Baratoux
Na verdade, não nos preparámos para investigar a tectónica de placas. O objectivo do nosso estudo era utilizar uma nova técnica para conhecer melhor a formação das rochas metamórficas há cerca de 2 mil milhões de anos. Não esperávamos que o nosso trabalho tivesse implicações na tectónica de placas, que geralmente se pensa ter começado mil milhões de anos mais tarde.
Na primeira fase do nosso estudo visitámos várias centenas de sitios geológicos em África (figura 3) e coleccionámos amostras de ‘rochas verdes’. Sabe-se que estas rochas sofreram metamorfismo –transformação de um tipo de rocha noutro – há cerca de 2 mil milhões de anos. Com base em conhecimentos prévios sobre rochas metamórficas deste período, pensava-se que se teriam formado em condições de baixa pressão (até 5kbar) e a temperaturas entre 200 e 700 ºC.
químico de uma rocha
metamórfica complexa com
quartzo (A), granada (B),
fengite (C), clorite (D) e
óxidos de ferro (Ox). A
imagem foi obtida no ESRF
usando raios-X de elevada
intensidade.
Imagem cortesia de Vincent
de Andrade
Em seguida, investigámos a composição mineralógica de amostras destas rochas por análise de microssonda electrónica. É um conjunto de técnicas que incluem a microscopia e a produção de imagens por difração de electrões, que diferenciam os elementos pesados, os quais dispersam melhor os electrões, dos elementos leves que não o fazem. Também realizámos o mapeamento químico, que mostra a localização de determinados minerais nas amostras.
químico de pormenor
revelando três tipos de
óxidos de ferro: Ox1, pobre
em Fe3+; Ox3, rico em Fe3+; e
Ox2, com níveis intermédios
de Fe3+. A imagem foi obtida
no ESRF através de raios-X
de elevada intensidade.
Imagem cortesia de Vincent de
Andrade
Além disso, realizámos experiências na European Synchrotron Radiation Facility (ESRF; Ver caixa) para decifrar a estrutura química pormenorizada de algumas das amostras. Os raios-X do sincrotron são biliões de vezes mais brilhantes que os raios produzidos por um aparelho hospitalar de raios-X, permitindo uma resolução da estrutura da matéria com detalhes impossíveis de obter com raios-X normais.
Utilizando laminas muito finas de rocha, pudemos determinar a sua composição química. Descobrimos que continham quartzo, granada, fengite, clorite e óxidos de ferro (figuras 4 e 5). Mas qual a relação destes dados com o processo de formação das rochas e em que condições?
Para interpretar os resultados, realizámos cálculos em computador com base em diferentes parâmetros químicos que medimos. Por exemplo, analisámos a relação H2O:CO2 nos fluidos aprisionados no quartzo, e medimos a relação Fe3+:Fe2+ presente nas rochas (figura 5). Existem diferentes clorites (p. ex. clorite de magnésio, clorite de ferro) e várias formas de fengite (que podem conter, por exemplo, magnésio ou ferro). As variedades de clorites e fengites observadas nas rochas metamórficas dependem das condições existentes no momento de formação da rocha. Estas condições são as relações H2O:CO2 e Fe3+:Fe2+ assim como a pressão e a temperatura. A determinação destas relações nas nossas amostras permitiu-nos viajar para trás no tempo e calcular com precisão as condições de temperatura e pressão em que as rochas se formaram.
Através destes cálculos, demonstrámos que a composição da clorite e da fengite nas rochas da África ocidental foi conseguida a pressão elevada (cerca de 10 kbar) e a temperatura reduzida, inferior a 500 ºC. Foi uma surpresa, porque estas condições de pressão e temperatura encontram-se em zonas de subducção. Como as rochas que estudámos têm mais de 2 mil milhões de anos, os resultados implicam que a tectónica de placas já existia há 2 mil milhões de anos, muito antes dos 900 milhões de anos que os cientistas consideravam ser correto.
A nossa investigação modificou o conhecimento científico sobre a geodinâmica da Terra. Quando começou, então, a tectónica de placas? Qual a extensão destes movimentos continentais gigantescos? Para resolver estas questões o nosso próximo passo será estudar rochas da mesma idade e outras mais antigas. Planeamos, em particular, visitar Yilgarn Craton na Austrália e a região de Barberton na África do Sul, para estudar as rochas metamórficas que contêm clorite e fengite.
O European Synchrotron Radiation Facility (ESRFw1) é um dos mais importantes produtores de raios-X do mundo. Milhares de cientistas chegam anualmente ao ESRF para realizar experiências ligadas à ciência de materiais, biologia, medicina, física, química e paleontologia. O ESRF é membro doEIROforumw2, o editor da Science in School.
Alpes Franceses, o European
Synchrotron Radiation
Facility utiliza feixes intensos
de raios-X para definir a
estrutura da matéria. Um
sincrotron é um tipo de
acelerador cíclico de
partículas: no ESRF, a luz do
sincrotron viaja a grande
velocidade no interior do
anel cinzento gigante.
Imagem cortesia de Ginter /
ESRF
Os autores querem agradecer o apoio de Dominique Cornuéjols, do departamento de comunicação do ESRF, na preparação e tradução de materiais para este artigo.