Balanço energético planetário Understand article

A compreensão do sistema climático terrestre pode ensinar-nos sobre outros planetas

O balanço energético da Terra explica como pode a temperatura global mudar numa ou noutra direção. Notavelmente, a quantidade total de radiação solar que atinge a Terra não é sempre a mesma devido a alterações na atividade do Sol (que obedecem a ciclos de, aproximadamente, 11 anos, também podendo mudar ao longo de períodos de tempo mais longos). Alterações da órbita da Terra em torno do Sol também influem em quais as partes da Terra que recebem mais energia – o que tem consequências para o clima global.As alterações climáticas e os modelos de clima estão constantemente nas notícias. Uma forma de testar o quão bem entendemos o sistema climático terrestre é ver quão bem podemos aplicar o nosso conhecimento a outros planetas com climas muito diferentes. Filmes como o The Martian, deste ano, mostram os outros planetas do nosso Sistema Solar como inóspitos. Contudo, como é que eles são, realmente, e como é que as suas composições atmosféricas os afetam?

sea ice
O gelo marítimo desempenha um papel principal nas nossas circulações globais climática e oceânica.
A imagem é cortesia da ESA

Do ponto de vista de um indivíduo na sua superfície, o ar, o gelo, a água e o solo da Terra podem parecer entidades independentes. No entanto, os diferentes elementos do sistema climático – atmosfera, criosfera, oceanos e terra – não estão isolados; eles trocam enormes quantidades de energia e influenciam o comportamento uns dos outrosw1. O frágil balanço – o balanço energético da Terra – é calculado como a soma de todas as entradas de energia no sistema climático menos todas as fugas energéticas. Se todas as entradas e saídas são iguais, a temperatura global mantém-se constante; mas, se algo acontece que altere o balanço – tal como um aumento nos gases de efeito de estufa na atmosfera – então a temperatura muda (ver Shallcross & Harrison, 2008).

A energia da Terra

A radiação eletromagnética do Sol leva oito minutos para chegar à Terra e é a principal fonte de energia da Terra – tal como o é para todos os planetas no Sistema Solar. Enquanto seguimos a energia do Sol para dentro da atmosfera da Terra, podemos ver como alimenta o sistema climático planetário, com os seus complicados fluxos e circuitos energéticos. Esta informação é registada em cartas que se tornaram conhecidas como diagramas de Trenberth (figuras 1, 2 e 3; Trenberth et al, 2009).

Enquanto a radiação solar atravessa a atmosfera da Terra, muita da radiação ultravioleta que entra é absorvida pelo ozono da estratosfera, aproximadamente 10-15 km acima da superfície terrestre. Mais radiação solar é, então, refletida e dispersa por nuvens e pequenas partículas na atmosfera (chamadas de aerossóis). Quando se acumula poeira na atmosfera, como consequência de uma imensa atividade vulcânica, ainda mais da radiação do Sol é dispersa para fora da superfície da Terra. Isto aconteceu em 1816, o ‘ano sem verão’, quando a erupção do Monte Tambora nas Índias Orientais Holandesas (agora conhecidas por Indonésia) causou um inverno vulcânico e muita falta de comida por todo o hemisfério norte.

Ainda mais radiação solar é refletida pela superfície da Terra e é descrita pelo ‘albedo’, que se calcula pela razão da radiação refletida para a incidente. Superfícies de cores claras tais como o gelo têm um albedo maior do que as mais escuras. Pode-se demonstrar como o albedo funciona utilizando dois copos de gelado altos e pintando o interior de um deles de preto; coloca-se um termómetro dentro de cada um e depois cobrem-se com papel aderente alimentar. Deixados ao Sol ou sob uma lâmpada, o tubo mais escuro absorverá radiação e aquecerá, enquanto o branco refletirá a radiação, mantendo-se mais frio.

A energia que chega à superfície da Terra aquece-a e é re-radiada (para uma explicação da radiação de corpo negro, ver Ribeiro, 2015). Alguma da energia também regressa à atmosfera por condução e convecção, para além da evaporação e transpiração de água – alguma da qual, mais tarde, se condensa na atmosfera na forma de gotinhas de nuvens, libertando calor latente enquanto muda de estado.

Os gases de efeito de estufa também absorvem alguns comprimentos de onda da radiação infravermelha emitida pela superfície da Terra. Alguma desta é, depois, emitida para cima e perdida para o espaço, mas a maioria é direcionada de volta para a superfície da Terra. Outros comprimentos de onda da radiação infravermelha em direção de saída não são absorvidos por nenhum gás atmosférico e escapam para o espaço livremente.

Figura 1 .O balanço energético da Terra, fazendo a média ao longo da sua superfície e ao longo do ano. Os fluxos radiativos solares mostram-se a azul e os fluxos infravermelhos a cor de rosa; os fluxos convectivos são representados a laranja.
A: Radiação solar incidente;
B: Dispersa pelas nuvens e pela atmosfera;
C: Total de radiação de ondas curtas refletida para o espaço;
D: Refletida pela superfície;
E: Radiação de onda curta que chega à superfície;
F: Radiação de onda curta absorvida pela superfície;
G: Radiação de onda curta absorvida pela atmosfera;
H: Total de radiação infravermelha (ondas longas) enviada;
I: Radiação de ondas longas emitida pela superfície;
J: Radiação de ondas longas absorvida pela superfície;
K: Radiação de ondas longas emitida pela atmosfera para o espaço;
L: Radiação de ondas longas emitida pela atmosfera para a superfície;
O: Térmicas;
P: Evapotranspiração;
Q: Fluxo de ondas longas da superfície para o espaço.
A imagem é cortesia de Sylvia Knight

O balanço

O balanço energético da Terra explica como pode a temperatura global mudar numa ou noutra direção. Notavelmente, a quantidade total de radiação solar que atinge a Terra não é sempre a mesma devido a alterações na atividade do Sol (que obedecem a ciclos de, aproximadamente, 11 anos, também podendo mudar ao longo de períodos de tempo mais longos). Alterações da órbita da Terra em torno do Sol também influem em quais as partes da Terra que recebem mais energia – o que tem consequências para o clima global.

Depois de ter em conta todos estes fatores (fazendo a média da radiação que entra e da que sai ao longo de todos os dias do ano e por todo o planeta), obtemos a quantidade de energia que a Terra ganha do ou perde para o espaço. Utilizando o diagrama de Trenberth (figura 1), poderia pedir aos seus estudantes para adicionar ou subtrair estes diferentes valores. As suas respostas deveriam demostrar que há um pouco mais de energia a chegar (cerca de 0.6 Wm-2) do que a que está a sair; assim, o sistema climático está a aquecew2.

A energia de Marte

Mais longe do Sol do que a Terra está localizado um dos nossos vizinhos mais próximos no Sistema Solar. Quatro minutos depois de chegar à Terra e 12 minutos depois de deixar o Sol, a energia solar chega a Marte. O planeta vermelho é metade do tamanho da Terra mas os dois planetas têm uma velocidade de rotação e inclinação do respetivo eixo semelhantes, pelo que também têm variações sazonais no clima e circulação atmosférica semelhantes. O tempo de Marte é dominado por tempestades de poeira, pelos ciclos do carbono e da água e por marés térmicas dinamizadas pelo movimento da radiação do Sol.

Figura 2. O balanço energético de Marte, sob condições de relativamente pouca poeira. Quando não existe uma tempestade de poeira, a atmosfera de Marte tem muito pouco impacto no fluxo de energia para e do planeta.
A: Radiação solar incidente;
B: Dispersa pelas nuvens e pela atmosfera;
C: Total de radiação de ondas curtas refletida para o espaço;
D: Refletida pela superfície;
E: Radiação de onda curta que chega à superfície;
F: Radiação de onda curta absorvida pela superfície;
G: Radiação de onda curta absorvida pela atmosfera;
H: Total de radiação infravermelha (ondas longas) enviada;
I: Radiação de ondas longas emitida pela superfície;
J: Radiação de ondas longas absorvida pela superfície;
K: Radiação de ondas longas emitida pela atmosfera para o espaço;
L: Radiação de ondas longas emitida pela atmosfera para a superfície;
M: Radiação de ondas longas emitida pela superfície;
N: Radiação de ondas longas refletida pela superfície;

A imagem é cortesia de Sylvia Knight

Contudo, a fina atmosfera de Marte tem pouco efeito na radiação que passa através dela. Isto significa que quase toda a radiação que chega atinge a superfície do planeta mas, depois, quase toda a radiação por este emitida escapa para o espaço. Isto é devido ao facto da atmosfera marciana ter muito mais dióxido de carbono do que a da Terra e praticamente mais nenhum gás de efeito de estufa. Enquanto a relativamente estreita banda de radiação emitida a um comprimento de onda de 15 μm  é quase totalmente absorvida pelo dióxido de carbono na atmosfera, o resto da emissão de corpo negro de Marte escapa e o efeito de estufa em Marte apenas aquece a superfície do planeta 5 K por ano.

Durante o típico inverno marciano, as temperaturas podem ser baixas o suficiente (140 K) para o dióxido de carbono condensar, formando neve em torno de ambos os seus polos e aumentando ainda mais o albedo do planeta.

As coisas alteram-se dramaticamente na atmosfera marciana todos os 3-5 anos quando uma tempestade de areia gigante deixa o céu com uma cor vermelho-acastanhada e nuvens de poeira refletem ou absorvem até 78% da radiação do Sol. A radiação solar absorvida é emitida como calor na atmosfera, produzindo um efeito anti-estufa quando mais radiação infravermelha se perde no topo da atmosfera do que a que é emitida pela superfície. A atmosfera aquece enquanto a superfície arrefece; enquanto a superfície arrefece, os ventos superficiais diminuem e a convecção de baixo nível desliga-se, removendo a fonte de poeiras e iniciando o decaimento da tempestade.

Figura 3. O balanço energético de Marte, durante as maiores tempestades de poeira. A poeira absorve a maior parte da radiação solar que chega e cria um efeito anti-estufa, com mais calor a escapar do topo da atmosfera do que aquele que deixa a superfície.
A: Radiação solar incidente;
B: Dispersa pelas nuvens e pela atmosfera;
C: Total de radiação de ondas curtas refletida para o espaço;
D: Refletida pela superfície;
E: Radiação de onda curta que chega à superfície;
F: Radiação de onda curta absorvida pela superfície;
G: Radiação de onda curta absorvida pela atmosfera;
H: Total de radiação infravermelha (ondas longas) enviada;
I: Radiação de ondas longas emitida pela superfície;
J: Radiação de ondas longas absorvida pela superfície;
K: Radiação de ondas longas emitida pela atmosfera para o espaço;
L: Radiação de ondas longas emitida pela atmosfera para a superfície;
M: Radiação de ondas longas emitida pela superfície;
N: Radiação de ondas longas refletida pela superfície;

A imagem é cortesia de Sylvia Knight

A importância da nossa atmosfera

Os fluxos energéticos através das atmosferas planetárias no nosso Sistema Solar são tão diferentes quanto os planetas em si (uma descrição dos climas de Vénus, Titã e Júpiter pode ser descarregada da secção de material adicional). Planetas como a Terra e Vénus têm gases que produzem um efeito de estufa, o que tem uma influência significativa no respetivo clima; outros planetas, como Marte (quando poeirento) e Júpiter, têm um efeito anti-estufa. Junto com água no estado líquido e um ecossistema vivo, nós humanos complicamos o sistema climático da Terra ainda mais. Contudo, apesar de estarmos, a pouco e pouco, a alterar o balanço energético da Terra, não sobreviveríamos sem a captura pela nossa atmosfera da energia solar e pelo aquecimento do nosso pequeno planeta azul. Quanto mais compreendemos como estes complicados sistemas funcionam, mais perto podemos chegar à compreensão do nosso impacto na Terra.


References

Web References

Resources

Author(s)

Dr Sylvia Knight is a meteorologist with a particular interest in climate modelling. She is the head of education services for the Royal Meteorological Society in the UK.

Review

‘Global warming’, ‘ozone layer depletion’, ‘climate change’ – we are constantly bombarded with these buzzwords by the Web, TV programmes, environmentalists and scientists. However, the scientific reasons why our planet is not budgeting its energy inputs and outputs well are sometimes left unsaid. This article is an excellent resource for understanding the reasons behind the fact that our planet is retaining more energy than it is radiating – hence rising temperatures. It also provides an insight into why the same thing may not be happening on our neighbouring planets.

Apart from being used as a comprehension exercise with students, this article can help to raise awareness about our role in all of this. Potential discussion questions include:

  • How do Earth’s atmospheric layers affect the light rays reaching us from the Sun?
  • What affects the balance between energy inputs and energy outputs on Earth?
  • How do the climates of neighbouring planets differ from our planet?
  • Could the climate of these planets be adapted for human survival?
  • What is the extent of human impact on our climate?
  • How has this impact changed over the years?
  • What is our responsibility towards present and future generations?
  • What can we do to leave a better planet than we’ve inherited?

Catherine Cutajar, St Martin’s College Sixth Form, Malta

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