Author(s): Sigrid Griet Eeckhout
Traduzido por: Ana Luísa Carvalho Sigrid Griet Eeckhout do European Synchrotron Radiation Facility (Instituto Europeu de Radiação Sincrotrão) em Grenoble, França, investiga as causas da toxicidade de compostos de mercúrio – e como a radiação de raios-X ajuda a resolver o mistério.
Gotas de mercúrio
Imagem cortesia de Mark Evans/
iStockphoto
Os metais constituem cerca de 75% dos elementos conhecidos. Podem formar ligas entre eles ou com não-metais e são usados, por exemplo, em carros, computadores, auto-estradas e pontes. A civilização foi fundada sobre os metais da antiguidade, nomeadamente ouro, prata, cobre, mercúrio, estanho, ferro e chumbo. O ouro foi descoberto cerca do ano 6000 AC e o mercúrio foi descoberto em túmulos datados de 1600 AC. Os antigos gregos usavam mercúrio em pomadas; os romanos usavam-no em cosméticos. Os metais entraram no nosso ambiente desde o início da Era Industrial, acumulando-se nos solos, em sedimentos e nas águas superficiais.
Em pequenas quantidades, muitos elementos metálicos vestigiais são relevantes do ponto de vista ecológico devido à sua importância como nutrientes ou à sua toxicidade como poluentes. Os elementos vestigiais considerados nutrientes incluem magnésio, manganês, cobre e zinco, alguns dos quais tóxicos em elevadas concentrações. Outros, incluindo elementos pesados como o mercúrio, cádmio, arsénico e chumbo, constituem uma preocupação ambiental devido à sua elevada toxicidade e ao seu uso alargado pela indústria. O mercúrio encontra-se presente no ambiente em concentrações inferiores a 0,1%, mas é extremamente tóxico porque se liga aos grupos funcionais de várias enzimas e proteínas, inibindo ou afectando negativamente funções orgânicas vitais. O mercúrio é utilizado na extracção de ouro e é encontrado em termômetros, amálgamas dentárias, termostatos, relés, interruptores, barómetros, sistemas de vácuo e outros equipamentos científicos, embora as preocupações relativamente à sua toxicidade tenham levado à redução do uso de termómetros de mercúrio nas actividades clínicas.
O mercúrio é um elemento vestigial de fontes naturais (metal nativo, Hg, e cinábrio, HgS) e antropogénicas (de origem humana). As fontes antropogénicas incluem a agricultura (fungicidas) e a metalurgia (mineração e fundição de minérios), a indústria de plásticos, eliminação de resíduos e aterros. A maior parte do mercúrio em solos, sedimentos e águas superficiais provém da queima de combustíveis fósseis. Este metal volátil pode percorrer longas distâncias na sua forma gasosa ou ligada a partículas de poeira. O mercúrio gasoso pode permanecer na atmosfera durante cerca de um ano, até se depositar na superfície terrestre por acção da chuva.
Tubarão-baleia
Imagem cortesia de Klaas Lingbeek
-van Kranen / iStockphoto
Uma vez depositados, os metais e metalóides (elementos com propriedades metálicas e não metálicas) passam por processos dinâmicos bio-geo-químicos num ambiente próximo da superfície, uma mistura de rocha, solo, água, ar e organismos vivos.
Os processos bio-geo-químicos afectam a forma atómica do metal (especiação) e, consequentemente, a sua solubilidade, mobilidade, bio-disponibilidade e toxicidade. Geralmente, quanto menos solúvel for uma espécie química, menos mobilidade terá, assim como terá uma menor toxicidade. Sendo assim, a transformação de espécies solúveis em formas de solubilidade reduzida, quer in situ quer em aterros após escavação, pode reduzir o impacto de metais pesados perigosos para os organismos vivos e para o ambiente.
Os microrganismos podem alterar os metais através de reacções de oxidação-redução ou outras reacções químicas. Um exemplo é um outro metal pesado, o crómio hexavalente, Cr(VI), uma forma de crómio solúvel em água e muito perigosa. A ingestão de grandes quantidades de Cr(VI) pode provocar perturbações de estômago e úlceras, convulsões, danos nos rins e fígado, várias formas de cancro e mesmo a morte. O crómio trivalente, ou Cr(III), por sua vez, é um elemento essencial que favorece a utilização de açucar, proteínas e gorduras pelo corpo. O Cr(III) é insolúvel em água. A redução de Cr(VI) a Cr(III) usando microrganismos torna-o insolúvel em água, limitando a sua disponibilidade e toxicidadew1.
Este tipo de transformação pode também ocorrer no outro sentido. Nos solos, os organismos microscópicos conseguem transformar uma forma de mercúrio menos tóxica e inorgânica (não contendo carbono), numa forma orgânica e tóxica. Nesta reacção, designada metilação, um átomo, normalmente hidrogénio, é substituído por um grupo metilo (-CH3). Sendo um ião carregado positivamente, o metil-mercúrio (CH3Hg+) rapidamente se combina com aniões, tais como o cloro (Cl–), o hidróxido (OH-) ou o nitrato (NO3–).
A transformação de mercúrio num composto de metil-mercúrio produz uma forma metálica lipofílica (i.e. solúvel em gorduras), podendo atravessar as membranas das células, a barreira hemato-encefálica e a placenta. Nesta forma orgânica pode entrar na cadeia alimentar e acumular-se em peixes, em animais que comem peixe e nos humanos. Por outras palavras, a forma inorgânica, menos tóxica, de mercúrio, que seria normalmente excretada pelos organismos, é transformada numa forma orgânica, que se torna disponível e tóxica para os organismos.
Então, como é que esta forma inorgânica, menos tóxica, se transforma numa forma orgânica, tóxica? Usando radiação de sincrotrão no European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), mais especificamente, a técnica de espectroscopia de absorção de radiação X (XAS de X-ray absorption spectroscopy, ver caixa), investigadores da Suécia e dos EUA determinaram a especiação do mercúrio, presente em matéria orgânica natural em concentrações ambientais relevantes.
Os investigadores descobriram que o mercúrio da matéria orgânica natural do solo liga-se a dois grupos de enxofre orgânico reduzido, principalmente tióis (-SH). O grupo tiol é o equivalente sulfurado do grupo hidroxilo (-OH), presente em alcoóis. As experiências laboratoriais indicam que espécies neutras de mercuro-tiol e mercuro-enxofre inorgânicas em solução determinam as velocidades de metilação. Isto significa que a ligação de mercúrio a tióis, na matéria orgânica natural, torna o elemento disponível para as bactérias metiladoras do ambiente.
O próximo passo é identificar a função que desempenham as diferentes moléculas que contêm enxofre encontradas em solos orgânicos.
O uso da técnica de XAS na caracterização da especiação de mercúrio é bastante recente. É inovadora quando comparada com os métodos bioquímicos mais antigos (de fase líquida) e é a primeira vez que se detectam tão baixas concentrações de mercúrio (0,1 grama de mercúrio por 1000 grama de solo).
É difícil decifrar a química de metais e metalóides vestigiais no ambiente, porque a matéria natural possui composição e estrutura complexas. Com o aparecimento de fontes avançadas de radiação sincrotrão, que disponibilizam técnicas de radiação X intensa e elevada resolução espacial, os investigadores conseguem detectar as formas e distribuição dos metais em sistemas heterogéneos como solos, plantas e interacções mineral-micróbio-metal. Para isso, podem aplicar-se em simultâneo três técnicas micro-analíticas. A técnica de micro-fluorescência de raios-X (ver caixa) consegue mapear as distribuições dos diferentes metais e permite a identificação de associações de metais (Figura 3). Em seguida, o espécime que contém o metal (argila ou minério) é determinado em pontos de interesse nos mapas químicos através de micro-difracção de raios-X e micro-XAS. O padrão de difracção revela a estrutura interna do material. A proporção de cada espécime no material é calculada por combinação linear dos diferentes componentes (por outras palavras, adicionando as quantidades nos espectros).
Concluindo, as técnicas de raios-X usando radiação sincrotrão são extremamente úteis na determinação das formas e distribuição dos metais em solos, sedimentos e águas superficiais. Uma vez determinada a especiação de um metal, podemos tentar limitar a sua solubilidade e bio-disponibilidade. À medida que crescem a população e economia mundiais, especialmente nos países em vias de desenvolvimento, a necessidade de metais aumenta, aumentando também a possibilidade de contaminação de solos e água. Uma vez que isto tem sérias implicações na saúde humana e na qualidade ambiental, os estudos ambientais são de extrema importância.
References
- Capellas M (2007) Recovering Pompeii. Science in School 6: 14-19. www.scienceinschool.org/2007/issue6/pompeii
- Skyllberg U, Bloom PR, Qian J, Lin CM, Bleam WF (2006) Complexation of mercury(II) in soil organic matter: EXAFS evidence for linear two-coordination with reduced sulfur groups. Environmental Science & Technology 40: 4174-4180
- Este artigo foi escolhido entre mais de 1100 artigos em Environmental Science and Technology (Ciência e Tecnologia Ambiental) como a mais importante contribuição de 2006 para a ciência ambiental.
Web References
Resources
Institutions
License