Tradução de Isabel Queiroz Macedo.
Após quatro anos em viagem pelo mundo, a escuna Tara voltou com resultados científicos de um imenso valor.
cidade de Nova Iorque
Imagem cortesia de VHillaire /
Tara Expeditions
Outubro de 2011- estou de serviço nocturno a bordo da escuna Tara, que desliza nas águas escuras e aparentemente infinitas do Oceano Pacifico. O amanhã parece longínquo, mas duas coisas mantêm-me acordado: o aroma a sal que paira no ar e partículas de luz cintilante na esteira do nosso barco. Estas " estrelas- do- mar” são, na verdade, plâncton bioluminescente - microrganismos à deriva, de aparência tão estranha que alguns deles inspiraram o design de criaturas para o filme Allien, de 1979. No entanto, apesar de minúsculo e estranho, o plâncton representa noventa por cento da massa viva dos oceanos e é a base da cadeia alimentar global; através da fotossíntese, gera metade do oxigénio que respiramos, transporta carbono da atmosfera para o mar profundo e desempenha um papel crucial no ciclo do nitrogénio.
Ao amanhecer o convés está cheio de cientistas muito ocupados a varrer o oceano superior em busca de plâncton, com redes finas, bombas de água e uma " roseta ", um instrumento que recolhe água a diferentes profundidades e mede a pressão, a temperatura e a salinidade. Recolhem todos os tipos de plâncton, de vírus minúsculos com 0,02 micrómetros de diâmetro, a animais com dois milímetros de diâmetro. Isto é aproximadamente a razão entre o tamanho de uma bola de golfe e o de dez piscinas olímpicas! Os biólogos marinhos transferem os exemplares capturados nas redes para tubos de ensaio rotulados e congelam-nos para evitar a degradação química e enzimática.
a “roseta” que lhes permitiu
colher amostras de plâncton
oceânico a diferentes
profundidades
Imagem cortesia de Tara
Expeditions
Em baixo, no “laboratório seco”, numa cabina cheia de microscópios e monitores de computador, o especialista em imagem Jérémie coloca uma amostra de água no microscópio. De repente o barco é apanhado por ondas que transformam o laboratório num pêndulo. Eu procuro a borda de uma mesa, qualquer coisa que me mantenha o equilíbrio, enquanto Jérémie, aparentemente alheio ao caos à nossa volta, oscila com o seu microscópio. Ele está deslumbrado com o que vê através da lente - esta simples gota está cheia de formas de vida improváveis.
Ao longo da odisseia oceânica do Tara (2009-2013), mais de duas toneladas de material genético de plâncton congelado foram enviadas para laboratórios em todo o mundo, para análise. Nos laboratórios, os investigadores utilizaram produtos químicos para “abrir” as células dos microrganismos e extrair as moléculas de ADN. Sequenciaram as cadeias a grande velocidade (um método conhecido por sequenciação shotgun) para gerar uma lista impressionante de 7,2 triliões de pares de bases - os famosos blocos de construção do ADN (adenina, timina, guanina e citosina) - e, em seguida, usaram genes específicos como “códigos de barras” para identificar os diferentes tipos de plâncton, como bactérias, Archaea e eucariontes. Os vírus, no entanto, não têm um identificador molecular universal que possa ser usado como código de barras. Em vez disso, os investigadores utilizaram grupos de proteínas - grupos com sequências genéticas semelhantes - para identificar diferentes populações virais.
Eric Karsenti, director científico do projecto Tara Oceans, explica o significado deste censo em massa. " Os dados obtidos permitem aos investigadores olhar com um detalhe sem precedente para as populações, ambientes e dinâmica do sistema de suporte de vida dos oceanos." E acrescenta: " Esta é a primeira descrição global do ecossistema de plâncton."
planctónico
Imagem cortesia de M
Ormestad / Kahikai Tara
Oceans
Especialistas de diferentes áreas analisaram os resultados de sequenciação usando imagiologia avançada, bioinformática e as mais recentes tecnologias de modelação física - técnicas que raramente são usadas em conjunto. "É o despertar de um novo tipo de investigação em ciências da vida ", diz Eric. "Há cinco anos isto era ficção científica!" E, em conjunto, as equipas de investigadores já começaram a resolver problemas que os exploradores do passado não poderiam sequer imaginar: Que tipos de plâncton povoam os nossos oceanos? Como interagem - entre si e com o ambiente? Como vão reagir às alterações climáticas e como vai isso afectar-nos?
O Laboratório Europeu de Biologia Molecular em Heidelberg, Alemanha, pode parecer um lugar improvável para estudos marinhos - está a seis horas de viagem de automóvel da costa mais próxima. Mas é aqui que Shinichi Sunagawa, investigador em biologia computacional, ajudou a criar um catálogo de 40 milhões de genes de plâncton microbiano, 80% dos quais são novos para a ciência, o que revela uma enorme biodiversidade de plâncton desconhecido nos nossos oceanos. Os cientistas verificaram que há uma forte correlação entre as espécies encontradas e a temperatura do habitat, identificando a temperatura da água como o principal factor ambiental na formação de comunidades microbianas oceânicas. Estudos futuros dirão como as alterações da temperatura da água podem afectar os ecossistemas dos oceanos e, consequentemente, o ambiente do planeta.
foram usadas para colher
amostras da superfície
Imagem cortesia de V Hillaire /
Tara Expeditions
A maior parte dos genes do catálogo de Shinichi pertence a eucariontes - organismos (como nós) cujo ADN é enrolado no interior de um núcleo. Esta estrutura celular complexa e estável foi um marco na evolução, permitindo a formação de seres multicelulares, e alguns eucariontes têm, como resultado, propriedades surpreendentes. As diatomáceas, por exemplo, são organismos unicelulares que sintetizam uma camada protectora de vidro a baixas temperaturas, algo que só conseguimos fazer com ajuda de - muito - calor! Colomban de Vargas, um biólogo marinho que participou na expedição e nas análises, identificou um total de 150 000 tipos genéticos de eucariontes – uma diversidade cem vezes superior à conhecida anteriormente. A chave para esta hiper-diversificação reside nas interacções das espécies.
A bordo do Tara, os cientistas deram nomes aos espécimes que “encontraram” ao microscópio: havia Hubert o protista e Dana a diatomácea. Mais tarde, Gipsi Lima-Mendez, um pós-doc da Universidade de Leuven, na Bélgica, revelou as interacções "sociais" entre Hubert, Dana e os seus amigos, ajudando a criar o interactome oceânico: uma espécie de Facebook planctónico, que nos diz quais as espécies de plâncton que são “amigos” - sempre encontrados juntos - e quais o não são. Depois, usou modelos gerados por computador para prever interacções específicas entre espécies, como a relação simbiótica entre uma minhoca e uma microalga fotossintética: a microalga vive no interior da minhoca, a salvo de predadores, e em troca sintetiza nutrientes para alimentar o seu hospedeiro. Esta interacção prevista foi mais tarde observada em amostras da expedição Tara, com métodos avançados de microscopia.
dumereii colhida no Tara , no
Pacífico Norte
Imagem cortesia de Eric
Roettinger / Kahikai / Tara
Oceans
As interacções no oceano são muito mais do que “a sobrevivência do mais apto". Segundo Eric, " 80% das interacções entre organismos no oceano são positivas", o que significa que a maioria dos organismos ajudam-se mutuamente a prosperar. " Isso muda a forma como olhamos para a evolução. A colaboração também faz a vida evoluir na Terra e tornar-se mais complexa."
O tipo de plâncton mais abundante é também o mais esquivo: os vírus - tão pequenos que não pudémos vê-los com os microscópios disponíveis no navio. Podem surgir dez milhões numa única gota de água do mar, e o seu impacto é enorme: eles moldam as populações que infectam, afectam a evolução transferindo genes entre espécies diferentes, e “influenciam o ciclo de nutrientes, matéria orgânica e gases da atmosfera”, diz Jennifer Brum, uma pós-doc da Universidade do Arizona, EUA, que participou na identificação de mais de 5000 populações virais, 99% das quais eram novas. É como descobrir um novo planeta subaquático de vida alienígena! O próximo passo é identificar os vírus que infectam os diferentes organismos.
Em conjunto, estes estudos dão-nos uma referência para monitorizar a saúde dos nossos oceanos no futuro. Os 11,5 terabytes de dados obtidos a partir da expedição - mais dados do que a Wikipedia - estão armazenados no Arquivo Europeu de Nucleótidos (European Nucleotide Archive), onde permanecerão em domínio público, à disposição dos cientistas, actuais e futuros De notar que ainda hoje os cientistas trabalham com amostras que Charles Darwin colheu em 1823 na expedição a bordo do HMS Beagle. Quem sabe por quanto tempo responderão os dados do Tara a perguntas que estamos hoje muito longe de imaginar?
O Laboratório Europeu de Biologia Molecular (European Molecular Biology Laboratory, EMBLw1) é uma das instituições de investigação mais importantes do mundo, dedicada à investigação básica em ciências da vida. O EMBL é internacional, inovador e interdisciplinar. Os seus funcionários, de 60 nações, têm formação em áreas como biologia, física, química e bioinformática e colaboram em investigação que abrange todo o espectro da biologia molecular.
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