Traduzido por Pedro Augusto.
Claudia Mignone e Rebecca Barnes exploram os raios X e os raios gama e investigam as técnicas engenhosas usadas pela Agência Espacial Europeia para observar o cosmos a estes comprimentos de onda.
Visto a olho nu, com binóculos ou um telescópio, o céu noturno estrelado é um espetáculo estasiante e tranquilo. Mas se pudéssemos ver o céu nos altamente energéticos raios X e raios gama, em vez da luz visível apercebida pelos nossos olhos, poderíamos ver uma imagem bem diferente – um dramático espetáculo cósmico de luzw1 (Figura 1).
Alguns dos mais poderosos e violentos fenómenos no Universo brilham poderosamente nestes comprimentos de onda curtos, tais como explosões em supernova – o final ardente da vida de uma estrela massiva – e buracos negros, enquanto rapidamente devoram matéria. Como sinal da sua natureza dinâmica, muitas fontes de raios X e raios gama exibem alterações distintas no seu brilho, mesmo ao longo de períodos de tempo muito curtos. As explosões em raios gama, por exemplo, aparecem como flashes repentinos e brilhantes que duram apenas poucos segundos. Estas explosões surgem, possivelmente, das mais extremas explosões no cosmos (para saber mais, ver Boffin, 2007). Além disso, raios X e raios gama são libertados através de processos físicos diferentes daqueles responsáveis pela emissão de luz visível. Isto significa que galáxias e outros objetos astronómicos parecem diferentes quando vistos na extremo das altas energias do espectro eletromagnético (EM)w2 (Figuras 2 e 3).
Esta visão revolucionária do cosmos foi revelada aos astrónomos no início dos anos 1960, nos primórdios da era espacial, quando foguetes e satélites permitiram que instrumentos especialmente desenvolvidos fossem levados para além da barreira obscurecedora da atmosfera da Terraw3. A Agência Espacial Europeia (ESA; vera caixa)w4 em breve se juntou com a missão de raios gama COS-B (1975) e o observatório de raios X EXOSAT (1983). Hoje, a ESA opera dois observatórios do género: o Multi-Mirror satellite (XMM-Newton), lançado em 1999, e o International Gamma-Ray Astrophysics Laboratory (INTEGRAL), lançado em 2002.
Como é que eles funcionam? Como explicado num anterior artigo (Mignone & Barnes, 2011), não há distinção física entre raios X, raios gama, luz visível e outros tipos de radiação EM. Todos são formas da luz, diferindo apenas no respetivo comprimento de onda (ou, como os três estão relacionados, diferindo em frequência ou energia; Figura 4). Contudo, dependendo do respetivo comprimento de onda (ou frequência, ou energia), a interação com a matéria é muito diferente. Isto tem implicações fundamentais para a Astronomia.
Sistemas óticos tradicionais, tais como os nossos olhos, câmaras, microscópios ou telescópios, dependem de lentes (ou espelhos) que refratam (ou refletem) raios de luz e os focam num único ponto para a produção de imagens. Contudo, isto é difícil com alguns raios de luz. Uma vez que os raios X e os raios gama têm comprimentos de onda de tamanho semelhante aos átomos e às partículas subatómicas, respetivamente, não podem ser facilmente refletidos ou focados como a luz visível mas tendem, em vez disso, a ser absorvidos quando batem em materiais densos (Figura 5).
O facto dos raios X e raios gama serem absorvidos por materiais densos torna-os adequados para muitas aplicações, incluindo imagem médica e investigações em materiaisw6. Para os astrónomos, contudo, isso é um problema: sendo facilmente absorvidos, estes tipos de radiação são muito difíceis ou impossíveis de focar; assim, obter imagens detalhadas das respetivas fontes é um desafio.
Apesar de tudo, os cientistas desenvolveram técnicas para a deteção de raios X e raios gama vindos do cosmos. Diferem significativamente das técnicas usadas na ótica tradicional e isso, junto com o facto de operarem no espaço, significa que os telescópios para a Astronomia de altas energias não se parecem nada com telescópios óticos.
Embora seja difícil refletir raios X, tal não é impossível se atingirem o espelho do telescópio a um ângulo muito pequeno – pense numa pedrinha atirada junto à superfície da água, deslocando-se ao longo da mesma. Contudo, enquanto um ângulo de incidência tão grande quanto 20º permite às pedrinhas saltar na água, os raios X só podem ser refletidos a ângulos muito mais pequenos: 1º ou menos. Os raios X devem tocar muito de leve no espelho, sob risco de serem absorvidos.
Para conseguir este pequeno ângulo – e focar os raios X num único ponto – os espelhos utilizados nos telescópios de raios X parecem-se com um funil (Figura 6). De facto, a forma do espelho é uma combinação de um parabolóide com um hiperbolóide, garantindo que os raios X que neles tocam são refletidos duas vezes. Desta forma, a luz é focada num detetor para formar uma imagem da fonte de raios X.
Esta técnica engenhosa, chamada de ótica de toque incidente, tem um grande inconveniente: de forma a serem refletidos e focados os raios X têm de se deslocar quase paralelamente aos espelhos em forma de tubos, pelo que os telescópios recolhem apenas uma quantidade limitada de radiação de raios X. Um telescópio poderoso é um que coleciona grandes quantidades de luz de fontes cósmicas distantes; isto é, normalmente, conseguido com espelhos muito grandes. Em contraste, para maximizar o seu poder, os telescópios de raios X têm vários espelhos concêntricos, uns dentro dos outros, criando uma estrutura semelhante a um alho francês gigante. Cada um dos três telescópios a bordo do observatório espacial XMM-Newton da ESA, por exemplo, consiste em 58 espelhos concêntricos (Figura 7)w6.
Para além da sua forma bizarra, os espelhos do XMM-Newton diferem de espelhos de telescópios convencionais na medida em que são feitos de níquel coberto a ouro em vez de vidro coberto de alumínio: os elementos químicos mais pesados têm maior probabilidade de refletir os raios X que chegam (para saber mais, ver Singh, 2005).
Se focar raios X é desafiante, focar raios gama – a forma mais energética de luz – é quase impossível. De forma a produzir imagens de fontes cósmicas nesta porção do espetro EM, por isso, os astrónomos tiveram de encontrar métodos alternativos.
Muitos instrumentos para Astronomia dos raios gama, incluindo aqueles a bordo do observatório espacial INTEGRAL da ESA, dependem de uma técnica chamada de “imagem com máscara-código”. Esta funciona de forma semelhante a uma câmara escura, que não tem lente mas apenas um pequeno buraco através do qual os raios de luz pasam, projetando uma imagem invertida no lado oposto da parede da câmara.
Em vez do único buraco da câmara escura, uma “câmara de máscara-código” tem uma máscara com um padrão especial de buracos e locais opacos em frente ao detetor. Raios gama que passem através dos buracos iluminam alguns pixeis do detetor, enquanto outros são bloqueados pelos pontos opacos da máscara causando sombras no detetor.
O padrão de pixeis brilhantes e escuros contém informação sobre a localização das fontes de raios gama no céu e a intensidade dos pixeis iluminados dá informação sobre o seu brilhow7. Apesar de não serem detalhadas, as imagens resultantes são úteis para sondar alguns dos mais poderosos fenómenos no Universo (Figuras 8a e 8b, 9 e 10).
Enquanto lê este artigo, os observatórios XMM-Newton e INTEGRAL da ESA circundam a Terra, mantendo sob observação o sempre mutável Universo de altas energias e ajudando a desvendar maravilhas celestes. No nosso próximo artigo vamos explorar alguns destes fenómenos, tais como a vida e morte turbulenta das estrelas na Via Láctea e buracos negros gigantescos nos centros de galáxias distantes.
A Agência Espacial Europeia (ESA)w4 é a porta da Europa para o espaço, organizando programas para descobrir mais sobre a Terra, o seu ambiente próximo, o nosso Sistema Solar e o Universo, bem como colaborar na exploração humana do espaço, desenvolvendo tecnologias e serviços de base satélite e promovendo a indústria europeia.
A Direção de Ciência e Exploração Robótica dedica-se ao programa espacial da ESA e à exploração robótica do Sistema Solar. Na busca da compreensão do Universo, das estrelas, dos planetas e das origens da vida, os satélites espaciais científicos da ESA penetram nas profundezas do cosmos e vislumbram as galáxias mais distantes, estudam o Sol com um detalhe sem precedentes e exploram os nossos vizinhos planetários.
A ESA é membro do EIROforumw8, o editor do Science in School.
Para saber mais sobre as atividades da Direção de Ciência e Exploração Robótica da ESA, visite: http://sci.esa.int
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