Traduzido por Alexandra Manaia.
De uma carreira científica ao teatro: como Ben Lillie conta as estórias que estão por detrás da ciência.
Dois físicos entram num bar e decidem dar espetáculo. Pode soar, ao início, tratar-se de uma anedota, mas descreve como começou o projeto Story Collider, uma série de espetáculos em que os cientistas contam as estórias subjacentes aos seus trabalhos de investigação. O projeto arrancou depois de Ben Lillie e Brian Wecht, dois físicos de partículas, terem protagonizado um primeiro espetáculo, misturando comédia e relatos pessoais sobre ciência, para o público de Nova York, EUA.
Há, ao que parece, uma sede, por parte do público, de estórias como as que Ben e Brian começaram a contar há cinco anos. Os espetáculos Story Collider ainda são populares e continuam a realizar-se com regularidade, tanto nos EUA como no resto do mundo. Os respetivos podcasts e vídeos estão disponíveis no websitew1. Estes espetáculos refletem o interesse dos fundadores do Story Collider em explorar como a ciência molda pessoas. "A presença da ciência no mundo em que vivemos é já por si estimulante e está a levar-nos a alterar a forma como nos vemos a nós próprios e ao nosso modo de vida", diz ele. "Um dos objetivos dos nossos espetáculos é dar a conhecer o lado humano da ciência."
Ao longo dos últimos cinco anos, Ben e a equipa do Story Collider recolheram uma série de estórias incríveis de investigadores e de outras pessoas que trabalham em ciência. Entre estas há testemunhos fascinantes - e muito variados – que relatam como essas pessoas se tornaram cientistas.
"Stuart Firestein é uma das minhas pessoas preferidas ", diz Benw2. Firestein é um professor de neurociências, que quando tinha vinte e poucos anos foi gerente de um teatro Bretchtiano que se dedicava a analisar situações concretas, envolvendo o público e levando-o a participar ativamente nas peças. Aos trinta anos, Firestein deu-se conta de que não era um bom gerente de teatro; voltou então para a faculdade e começou a estudar neurociências, o que segundo Ben, é "o mesmo que fazer teatro Brechtiano mas envolvendo atividade experimental".
Quando Firestein que recentemente se aposentou do departamento de Biologia da Universidade de Columbia, EUA, começou a dar aulas de neurociências aos alunos dos primeiros anos, apercebeu-se de que estava constantemente a repetir histórias sobre factos que já eram conhecidos, enquanto que em investigação os cientistas se concentravam no que ainda não sabiam. "Então ele decidiu: “Vou ensinar isso'", explica Ben. Firestein começou então a leccionar uma aula semanal de três horas (seminário) chamada "ignorância". Convidou vários colegas para falarem sobre tudo o que era ainda desconhecido nas suas respectivas áreas de trabalho. Estas aulas deram origem a um livro chamado Ignorância, sobre o modo como a ignorância impulsiona a ciência. Para Ben, isto ilustra como a experiência de Firestein em teatro lhe permitiu transferir um tipo de abordagem muito diferente para a investigação.
A carreira de Firestein é como que um espelho do percurso profissional de Ben. Tendo começado por estudar teatro na faculdade, Ben rapidamente mudou de rumo, completando uma licenciatura em física no Reed College, seguida de um doutoramento em física teórica na Universidade de Stanford, ambas nos EUA. Mas hoje, Ben já não se encontra num laboratório a analisar dados. Em vez disso, trabalha em teatro em Nova York, ou pelo mundo fora. "Percebi que eu realmente queria falar sobre pessoas", diz Ben. Então trocou os aceleradores de partículas pelo projeto Story Collider.
"Encontramos muitas semelhanças entre a ciência e as artes", diz Ben Lillie. "Mas eu sou igualmente fascinado por essas diferenças. As pessoas vão pensar, “tanto na ciência como nas artes é necessário ser criativo”, o que é verdade. Embora não se trate exatamente do mesmo tipo de criatividade."
Ben está certo de que tanto a ciência pode beneficiar das artes como vice-versa. "Os melhores cientistas tendem a interessar-se por um leque alargado de áreas. Há uma estatística engraçada que mostra que a prática de instrumentos musicais é muito mais elevada entre as pessoas que receberam o prémio Nobel do que no resto da população científica. "Há também campos do conhecimento em que as representações visuais assumem grande importância, como na astronomia e na biologia.
Para Ben, a interação entre ciência e cultura não se limita às ligações explícitas, como explica, descrevendo uma recente visita a uma galeria de arte. "Entrei numa exposição visual sobre música e nostalgia, e na parte detrás da galeria deparei-me com uma imagem gigante do Hubble Ultra Deep Field ("Campo Ultra Profundo do Hubble"). O que é que estaria a imagem ali a fazer? Então apercebi-me de que não se tratava de uma imagem do Hubble Ultra Deep Field. O autor da obra servira-se das luzes de palco usadas nas últimas atuações de músicos, que entretanto já tinham morrido e organizou-as de modo a parecerem galáxias observadas pelo telescópio espacial Hubble. O que para mim era surpreendente, continuou Ben, não era uma relação explícita ciência-arte; o artista criara uma imagem, que passou a ser percepcionada como uma imagem astronómica. Para mim, este é um bom exemplo de como se consegue com sucesso trazer a ciência para a cultura - quando deparamos com a ciência em lugares inesperados."
O nosso objetivo é contar histórias diferentes das que ouvimos habitualmente", diz Ben, e enquanto reconhece que atuar em palco e ensinar não são atividades idênticas, acredita que existem algumas estratégias que podem ser úteis em ambas as situações. "Não comece a estória pelo princípio mas pelo meio ", aconselha. "Comece com uma pergunta, introduza algum mistério e depois explore isso lentamente."
Em segundo lugar, acrescenta Ben, dê á informação crucial o seu verdadeiro lugar quando ela é realmente necessária. Se precisar de explicar algo complexo, como por exemplo o que é o “dilítio” (cristais de dilítio da Guerra das Estrelas), introduza essa informação ou logo no início, ou então crie mistério acerca desse conceito- mas assegure-se de que fornece a explicação antes que esta se torne indispensável.
Finalmente, diz Ben, manter a maior distância possível entre o mistério e a solução é a chave para que o público continue interessado. "Na verdade não sei se esta é uma boa técnica a usar quando se ensina," adverte Ben, "mas é seguramente uma estratégia eficaz a aplicar num filme ou num espetáculo. Conservar o mistério à medida que se continua a fornecer nova informação, mantém o público envolvido."