Viagem no tempo: fato ou ficção científica? Understand article

Traduzido por Catarina Chagas. Você acredita que viagens no tempo não cabem em aulas sérias de ciências? Jim Al-Khalili, da Universidade do Surrey, no Reino Unido, discorda. Ele mostra como a temática da vigem no tempo ajuda a introduzir algumas das ideias por trás da Teoria da…

Jim Al-Khalili
Image courtesy of the University of Surrey

Quando os físicos querem fazer as pessoas se interessarem por seus assuntos, geralmente falam de cosmologia ou física de partículas. Sempre vai haver algo instigante a dizer sobre o espaço ou a busca de novas partículas no Grande Colisor de Hádrons (para mais sobre o Colisor, ver Landua & Rau, 2008, e Landua, 2008). Obviamente, é muito mais desafiador fazer com que o eletromagnetismo ou a termodinâmica pareçam interessantes.

Sendo assim, será que falar de um tema como a viagem no tempo é ceder espaço à ficção científica? Eu diria que não. Na verdade, acredito que essa seja uma ótima forma de abordar algumas das ideias básicas que estão por trás das teorias da relatividade de Einstein (sim, há duas delas). Uma abordagem pode ser fazer a simples, porém emotiva pergunta: viajar no tempo é realmente possível? Qualquer um que tenha visto um filme como The Terminator ou seja fã de Dr Who pode recear que o conceito de viagem no tempo, embora divertido, simplesmente não faça sentido na ciência real. Porém, não só as leis da física possibilitam a viagem no tempo, como isso já foi provado em vários experimentos.

Claro que devo especificar essa afirmação apontando que apenas viagens ao futuro foram realmente bem sucedidas. A viagem ao passado é muito mais difícil, provavelmente impossível. O fascinante, porém, é que ela ainda não pode ser descartada. Meu objetivo com este artigo é explicar a diferença entre essas duas direções da viagem no tempo e mostrar como a teoria da relatividade forçou físicos a abandonarem noções do senso comum sobre a própria natureza do tempo.

Isaac Newton: a abordagem do senso comum?

Até que Isaac Newton completasse seu trabalho sobre as leis do movimento em 1687, a definição de tempo era considerada um domínio da filosofia, mais do que da ciência. Porém, quando Newton descreveu como os objetos se movem sob a influência de forças, o tempo era parte integrante de sua descrição matemática da realidade, já que todo movimento e mudança requer a noção de tempo para que faça sentido. Newton via o tempo como absoluto e inflexível; descrevendo-o como existente totalmente fora do espaço e independentemente de todos os processos que ocorrem no espaço. Essa ainda é a visão que a maioria de nós tem: pensamos no tempo como fluindo numa taxa constante, como se houvesse um relógio cósmico imaginário marcando os segundos, horas e anos, independentemente da nossa sensação da passagem do tempo. Nós não temos influência sobre como o tempo flui e não podemos acelerá-lo ou desacelerá-lo. Nós pensamos que sabemos o que é o tempo – mas ninguém sabe realmente. As melhores definições que temos são frequentemente bobas, como dizer que “tempo é a forma que a natureza tem de impedir que tudo aconteça de uma vez” ou que “o tempo flui numa taxa constante de um segundo por segundo”. O que isso quer dizer?

Newton estava certo? Esse tempo absoluto realmente existe? Albert Einstein mostrou que não.

Albert Einstein: um revolucionário

Em 1905, Einstein descobriu, por meio de seus estudos sobre a natureza da luz, que o tempo e o espaço não são independentes, mas intimamente ligados. Suas ideias ficaram conhecidas como a teoria da relatividade restrita, que desencadeou uma revolução na física. Ela mostrou como e por que as antigas noções de tempo e espaço deveriam ser substituídas por um conjunto de conceitos novos e desconhecidos. Em resumo, a teoria da relatividade unifica tempo e três dimensões espaciais em algo chamado espaço-tempo. É daí que vem a ideia do tempo como uma quarta dimensão.

Em 1915, dez anos depois de seu trabalho sobre relatividade restrita, Einstein completou sua teoria da gravidade, conhecida como a teoria da relatividade geral. Considerada por muitos como a mais bela teoria científica já descoberta, ela descreve como os efeitos gravitacionais da matéria afetam o espaço-tempo. Isso levou a muitas hipóteses instigantes que, depois, foram provadas corretas, como o nascimento do Universo no Big Bang e a existência de buracos negros.

Mas voltemos ao tema da relatividade restrita. Einstein mostrou que, para qualquer coisa (ou qualquer pessoa) viajando em velocidades próximas da velocidade da luz – impressionantes 300 mil quilômetros por segundo – o tempo literalmente passa mais devagar. Quanto mais perto da velocidade da luz um relógio se move, mais devagar ele vai marcar o tempo. Hoje, a desaceleração do tempo é confirmada na rotina de aceleradores de partículas, como a instalação do CERN na Suíçaw1. Muitos estudantes de física têm a chance de ver esse efeito em laboratório ao observar um certo tipo de partícula subatômica chamada múonw2.

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Vamos considerar um exemplo simples com números. Um velocista corre 100 metros em exatamente dez segundos, de acordo com a cronometragem confiável e acurada dos juízes. Se ele estivesse, porém, carregando seu próprio cronômetro consigo, então, devido à leve desaceleração, seu relógio mostraria um tempo de 9.999999999995 segundos. É claro que esse valor está tão próximo de dez segundos que jamais saberíamos a diferença. Porém, cientistas frequentemente precisam medir tempos com esse tipo de precisão. A diferença entre os relógios do corredor e dos juízes é de apenas cinco picosegundos; a diferença de tempo é tão pequena porque o atleta se move muito mais devagar que a luz.

Este, na verdade, é um conceito bastante delicado. Se as pessoas sabem alguma coisa sobre a teoria da relatividade, geralmente é da sua insistência em afirmar que todo movimento é relativo. Então, por que o relógio do velocista corre mais devagar, marcando um intervalo de tempo mais curto? Se todo movimento é relativo, poderíamos argumentar que, na verdade, é a pista que se move em relação ao atleta. Então, os relógios fixos dos juízes é que correm mais devagar. Isso é verdade, mas na realidade, a situação não é totalmente simétrica. Por um lado, o corredor tem que acelerar e desacelerar, e essa mudança de velocidade afeta a maneira como o tempo passa, em relação àquela notada pelos juízes. Outra maneira de entender por que o cronômetro do velocista lê o tempo mais rápido é que, para ele, a distância a ser percorrida é ligeiramente menor do que 100 metros. Esta é outra consequência da teoria da relatividade: as distâncias encurtam quando você se movimenta muito rápido.

Movimento de alta velocidade: viagem ao futuro

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Como tudo isso está soando meio estranho, é melhor começarmos a explorar como essas coisas estão relacionadas às viagens no tempo. A ideia do tempo desacelerando nos dá, literalmente, um meio de viajar ao futuro. Se você viajasse ao redor da nossa galáxia num foguete que se movesse perto da velocidade da luz por, digamos, quatro anos, teria um choque ao voltar para a Terra. Se o seu diário de bordo dissesse que você partiu em janeiro de 2005 e voltou em janeiro de 2009, então, dependendo da sua velocidade exata e de quantos desvios sua rota fez por entre as estrelas, ao voltar, você poderia descobrir que, na Terra, o ano era 2045 e que todo mundo tinha envelhecido 40 anos! E todo mundo ficaria igualmente chocado de ver o quão jovem você ainda pareceria, considerando quanto tempo você, segundo eles, teria passado fora.

Dentro do foguete, quarto anos teriam decorrido enquanto os relógios da Terra teriam contado 40 anos. Isso significa que você teria, para todos os propósitos, avançado 36 anos no futuro.

Esse efeito foi checado e confirmado muitas vezes em diferentes experimentos com níveis muito altos de precisão. Em 1971, J.C. Hafele e Richard E. Keating instalaram quarto relógios atômicos de alta precisão num avião a jato e voaram ao redor da Terra no sentido leste. Depois que o jato voltou, os relógios a bordo foram comparados com relógios atômicos de referência do Observatório Naval dos Estados Unidos: os relógios viajantes estavam uma pequena fração de segundo atrás os relógios de referência (Hafele & Keating, 1972a, 1972b)w3. Mesmo que o jato tenha uma velocidade de até milhares de quilômetros por hora em relação ao chão, a velocidade da luz é ainda milhões de vezes maior que isso, daí as pequenas e pouco impressionantes diferenças entre os dois grupos de relógios. De qualquer forma, essa diferença é real e os relógios são tão acurados que não duvidamos de suas leituras ou das conclusões que tiramos delas.

Viagem ao passado?

Acontece que a viagem ao passado é muito mais difícil. Para muitas pessoas, pode parecer surpreendente que viajar para frente seja mais fácil do que viajar para trás. Você pode pensar que a noção de viajar ao futuro é mais ridícula. O passado pode ser inacessível, mas, pelo menos, está lá de alguma forma: aconteceu. O futuro, por outro lado, ainda tem que acontecer. Como podemos visitor um tempo que ainda não aconteceu? Contudo, a viagem ao futuro por movimentos de alta velocidade não requer que o futuro já esteja dado, esperando por nós. O que ela significa é que nós saímos da concepção de tempo do resto do mundo em direção a uma em que o tempo passa mais devagar. Enquanto estivermos nesse estado, o tempo lá fora passará mais rápido e o futuro se desdobrará em alta velocidade. Quando retomarmos nosso tempo original, teremos alcançado o futuro antes de qualquer outra pessoa.

Por outro lado, há muitos exemplos do quão ridículas seriam as coisas se a viagem ao passado fosse possível. Por exemplo, e se você voltasse no tempo, para o ano passado por exemplo, e matasse sua versão mais jovem? O que aconteceria? Você simplesmente deixaria de existir assim que sua versão mais jovem caísse no chão? E se você tivesse morrido no ano passado, quem teria matado você? Sei que parece um pouco mórbido, mas é um paradoxo bem conhecido. Pense nisso. Parece que você não pode matar sua versão mais jovem porque precisa sobreviver ao assassinato para tornar-se o assassino. Uma coisa para se lembrar em relação à viagem ao passado é que você tem a possibilidade de alterar a história contanto que as coisas continuem acabando da mesma forma. Você não pode mudar o passado.

Em princípio, haveria duas maneiras de voltar ao passado. Uma é voltar para trás no tempo, movimento durante o qual os ponteiros de seu relógio se moveriam no sentido anti-horário. Isso requereria velocidades maiores do que a da luz, o que a teoria da relatividade nos diz ser impossível – e não é esse tipo de viagem no tempo que estou discutindo aqui. A outra maneira seria viajar de forma que aparentemente você se movesse para o mais adiante no tempo (seu relógio corre para frente), mas se movendo num padrão deformado no espaço-tempo, o que faria você voltar ao passado (como girar num looping de montanha-russa). Esse looping é conhecido em física como uma curva de tempo fechada e tem sido objeto de pesquisas teóricas intensas ao longo da última década. Talvez surpreendentemente, é sabido há mais de meio século que as equações da relatividade geral de Einstein permitem essas curvas de tempo fechadas: o matemático norte-americano Kurt Gödel mostrou, em 1949, que esse tipo de viagem ao passado era teoricamente possível.

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Então por que tudo isso? A viagem ao futuro já foi feita, a viagem ao passado, embora difícil, ainda não foi descartada pela teoria. O que estamos esperando? Por que anda não construímos uma máquina do tempo? O problema é que, além do fato de as curvas de tempo fechadas serem extremamente difíceis de criar, nós não as entendemos teoricamente. Como já acontecia no começo do século 21, a relatividade geral nos diz que não podemos descartar a viagem no tempo, mas muitos físicos esperam que uma melhor compreensão da matemática envolvida poderá, eventualmente, levar à conclusão de que os loopings de tempo são impossíveis.

Até o momento, não podemos descartar a possibilidade de que uma máquina do tempo natural exista em alguma parte do Universo. É teoricamente possível para o espaço tempo estar tão deformado na presença de um campo gravitacional muito forte que, sob condições especiais, um looping de tempo seja criado. Se nós tropeçássemos através de uma entidade como essa, conhecida como buraco de verme, durante uma viagem ao futuro, isso poderia nos dar uma ligação permanente com o passado.

Por enquanto, a melhor forma de descartar a existência de loopings no tempo é perguntar onde estão os viajadores do tempo do futuro. Se as futuras gerações algum dia conseguirem construir uma máquina do tempo, certamente haveria muitas pessoas querendo visitar o século 21 e nós deveríamos ver esses visitantes entre nós hoje. Então, só para manter o debate animado, abaixo estão cinco possíveis razoes por que nós não devemos esperar ver nenhum viajante do tempo:

  1. A viagem ao passado é proibida por algumas leis da física ainda não descobertas. Físicos esperam descobrir uma nova teoria que vá além da teoria geral da relatividade e que explique por que os loopings no tempo são proibidos. Nós já temos duas possíveis candidatas para tal teoria, conhecidas como teoria das supercordas e teoria das membranas. Mas nenhuma é adequadamente compreendida ainda.
  2. Não existem máquinas do tempo naturais como os buracos de verme, então a única maneira de voltar no tempo é construir uma. Mas o mais cedo que ela poderia nos levar seria até o momento em que ela foi ligada (porque este seria o momento mais antigo no tempo que poderia ser acessado). Então, não podemos ver nenhum viajante do tempo do futuro porque as máquinas do tempo ainda não foram inventadas.
  3. Máquinas do tempo naturais existem e as pessoas as usam para viajar de volta ao século 21, mas – uma ideia levada a sério por muitos físicos teóricos – nosso universo é apenas um entre um número infinito de universos paralelos. Assim, a viagem no tempo em direção ao passado leva o viajante a um mundo paralelo. Existem tantos deles que nosso universo, por azar, simplesmente não é um dos poucos que foram visitados. Se você ainda não está convencido por essas razões, duas possibilidades mais mundanas podem lhe interessar:
  4. Esperar ver viajantes do tempo entre nós pressupõe que eles iriam querer visitar este século. Talvez, para eles, existam outros períodos muito mais legais e seguros para se visitar.
  5. Visitantes do tempo vindos do futuro estão entre nós, mas agem discretamente!

Se eu fosse um homem de apostas, poderia dizer que a viagem ao passado será, em breve, provada impossível, mesmo em teoria. Ir ao futuro, por outro lado, apenas requer que possamos construir um foguete rápido o suficiente. Saiba, porém que, se você alcançar o futuro, não pode voltar atrás.


References

Web References

Resources

Sobre relatividade e viagem no tempo:

  • Al-Khalili J (1999) BlackHoles, Wormholes and Time Machines. London, UK: Taylor and Francis

Sobre viagem no tempo:

  • Davies P (2002) How to Build a Time Machine. London, UK: Penguin

Sobre relatividade:

  • Epstein LC (1981) Relativity Visualised. San Francisco, CA, USA: Insight Press Mermin ND (1989) Space and Time in Special Relativity. Prospect Heights, IL, USA: Waveland Press
  • Stannard R (1989) The Time and Space of Uncle Albert. London, UK: Faber and Faber

Sobre teoria das cordas:

  • Greene B (2000) The Elegant Universe: Superstrings, Hidden Dimensions and the Quest for the Ultimate Theory. New York, NY, USA: Vintage

Author(s)

Jim Al-Khalili é professor de física e professor de Engajamento Público na Ciência na Universidade do Surrey, onde há 12 anos oferece um curso sobre relatividade para graduandos. Ele aparece frequentemente na TV e no rádio.

Review

O que sabemos sobre viagens no tempo? É possível viajar ao futuro ou ao passado? Até onde isso foi testado e quais foram os resultados? Este artigo nos dá respostas breves, mas muito instigantes, para essas questões.

O artigo é muito útil para introduzir a relatividade e outro temas correlatos da física moderna para os estudantes. Professores podem usá-lo para discutir questões como a natureza do tempo e seu significado ou o instigante tema da viagem no tempo. Ele permite uma combinação de física e filosofia.

Tomando o artigo como ponto de partida, os professores podem discutir outros problemas da viagem no tempo, como a dificuldade de acelerar um ser humano de 70kg até a velocidade da luz.

Alessandro Iscra, Itália

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