Para lá da visão: o espetro eletromagnético Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. Claudia Mignone e Rebecca Barnes levam-nos numa visita guiada pelo espetro eletromagnético e apresentam-nos a frota de missões da Agência Espacial Europeia (ESA), que nos estão a abrir os olhos para um misteriososo e escondido Universo.

A imagem é cortesia da ESA

Apercebemo-nos do mundo à nossa volta através dos sentidos. Os nossos olhos têm um papel fundamental, uma vez que a luz transporta muita informação sobre a respetiva fonte e sobre os objetos que ou a refletem ou a absorvem. Como a maioria dos animais, os humanos têm um sistema visual que coleciona sinais luminosos e os envia para o cérebro. Os nossos olhos, contudo, são apenas sensíveis a uma pequeníssima parte do espetro de luz – somos cegos a tudo menos ao que chamamos “luz visível”.

Ou será que é mesmo assim? Durante o século XIX, os cientistas descobriram e visualizaram vários tipos diferentes de luz anteriormente invisível: radiação ultravioleta (UV) e infravermelha (IV), raios X e raios gama, ondas rádio e microondas. Em breve tornou-se evidente que a luz visível e essas novas formas de luz eram todas a manifestação de uma mesma entidade: radiação eletromagnética (EM) – ver Figura 1.

Um esquema do espetro EM com a indicação dos comprimentos de onda, frequências e energias
A imagem é cortesia da ESA / AOES Medialab

Os vários tipos de radiação EM distinguem-se pela sua energia: os raios gama são os mais energéticos, seguidos dos raios X, UV, visível e luz IV. Os tipos de radiação EM com comprimentos de onda mais longos do que a luz IV são classificados como ondas rádio. Estas subdividem-se em ondas sub-mm, microondas e ondas rádio longas. A radiação EM propaga-se na forma de ondas que até viajam no vácuo. A energia de uma onda (E) está relacionada com a sua frequência (f): E = hf, onde h é a constante de Planck, cujo nome honra o físico alemão Max Planck. A relação entre a frequência e o comprimento de onda (λ) da radiação EM é dada por fλ = c, onde c é a velocidade da luz no vácuo. Estas duas relações permitem descrever a radiação EM em termos, não só, de energia, mas também de frequência ou comprimento de onda.

Radiação a energias diferentes (ou frequências ou comprimentos de onda diferentes) é produzida por processos físicos diferentes e pode ser detetada de formas diferentes – por isso, por exemplo, a luz UV e as ondas rádio têm aplicações diferentes no nosso dia a dia.

Figura 2: O espetro EM e a opacidade da atmosfera. a) raios gama, raios X e luz UV são barrados pela alta atmosfera (são melhor observados do espaço). b) a luz visível é observável da Terra, com alguma distorção atmosférica. c) A maior parte do espetro IV é absorvido pela atmosfera (é melhor observado do espaço). d) O sub-mm e as microondas podem ser observados do solo a elevadas altitudes e em climas especialmente secos. e) Ondas rádio intemédias podem ser facilmente observadas do solo mas comprimentos de onda mais longos do que 10m são aborvidos pela atmosfera.
A imagem é cortesia de ESA / Hubble / F Granato
A imagem é cortesia da ESA

Nos finais do séc.XIX, os cientistas começaram a investigar como poderia esta radiação vinda do cosmos ser capturada para se ‘verem’ objetos astronómicos, tais como estrelas e galáxias, em comprimentos de onda para além do visível. Em primeiro lugar, contudo, tiveram de ultrapassar a barreira que a atmosfera da Terra faz à radiação.

A atmosfera é, claro, transparente à luz visível – por isso tantos animais adquiriram, pela evolução, olhos sensíveis a esta parte do espetro.

Contudo, muito pouco do resto do espetro EM consegue penetrar as grossas camadas da nossa atmosfera (Figura 2).

A imagem é cortesia da ESA
  • Raios gama e raios-X altamente energéticos, com comprimentos de onda tão ou mais pequenos do que átomos, são absorvidos pelo oxigénio e azoto na alta atmosfera. Isto protege a vida na Terra de radiação letal mas torna esta de difícil deteção para os astrónomos.
  • A maior parte, mas não toda, da radiação UV é absorvida pelo oxigénio e ozono nas camadas altas da atmosfera e estratosfera. De forma a utilizar a parte da radiação UV que consegue chegar à Terra, alguns animais desenvolveram olhos que a detetamw1.
  • Os mais curtos comprimentos de onda da radiação IV conseguem penetrar a atmosfera, mas quando o comprimento de onda atinge um mícron, a radiação IV tem tendência a ser absorvida pelo vapor de água e outras moléculas da atmosfera.
  • O mesmo acontece à radiação sub-mm – ondas rádio com comprimentos de onda de poucas cententas de mícrons até cerca de 1mm – e às microondas. Esta pode ser observada utilizando equipamentos terrestres localizados em zonas de elevada altitude e com um clima particularmente seco (como descrito por Mignone & Pierce-Price, 2010), ou com experiências em balões ou no espaço.
  • A atmosfera é transparente a ondas rádio de comprimentos de onda intermédios, que são facilmente observáveis do solo, mas bloqueia ondas rádio com comprimentos de onda mais longos do que 10 metros.

Mais sobre a ESA

A Agência Espacial Europeia (ESA)w2 é a porta da Europa para o espaço, organizando programas para saber mais sobre a Terra, o seu ambiente espacial imediato, sobre o Sistema Solar e sobre o Universo, para além de cooperar na exploração humana do espaço, desenvolver serviços e tecnologias de satélite e promover a indústria europeia.

O Directorate of Science and Robotic Exploration dedica-se ao programa espacial da ESA e à exploração robótica do Sistema Solar. Na odisseia para a compreensão do Universo, estrelas e planetas, os satélites de ciência espacial da ESA penetram nas profundezas do cosmos, observam as galáxias mais longínquas, estudam o Sol com um detalhe sem precedentes e exploram os nossos vizinhos planetários.

A ESA é membro do EIROforumw5, editora do Science in School.


 

A opacidade da atmosfera não é o único desafio colocado por esta aos astrónomos; a sua turbulência também coloca em causa a qualidade de observações astronómicas mesmo para comprimentos de onda que chegam ao solo, como a luz visível. De forma a enfrentar estes problemas, na segunda metade do séc.XX e após o início da era espacial, os astrónomos começaram a lançar os seus telescópios para lá da atmosfera, para o espaço. Isto iniciou uma revolução na Astronomia comparável à invenção do primeiro telescópio, há pouco mais de 400 anos.

Figura 3: A galáxia de Andrómeda, a galáxia gigante mais próxima da Via Láctea, vista em diferentes comprimentos de onda. Observações na luz visível, com um telescópio na Terra, mostram os vários milhões de biliões de estrelas que constituem a galáxia. Observações no IV longínquo, feitas com o Herschel Space Observatory, revelam a mistura de (principalmente) gás e poeira de onde novas estrelas nascerão. Observações nos raios X, com o XMM-Newton Space Observatory, mostram o brilho emitido por estrelas nos finais dos seus ciclos de vida ou por restos de estrelas que já morreram.
As imagens são cortesia de Robert Gendler (luz visível); ESA / Herschel / PACS / SPIRE / J Fritz, U Gent (IV); ESA / XMM-Newton / EPIC / W Pietsch, MPE (raios X)

Uma vez que processos físicos diferentes emitem radiação a diferentes comprimentos de onda, as fontes cósmicas brilham significativamente em uma ou mais porções do espetro EM. Assim, utilizando telescópios quer no solo quer no espaço, os astrónomos de hoje podem combinar observações através de todo o espetro, o que produz uma imagem do Universo extremamente cativante e previamente escondida (Figura 3 e Figura 4). Observações nos IV, por exemplo, mostram a, de outra forma invisível, mistura de poeira e gás que enche vários locais do espaço interestelar e de onde nascem novas estrelas. Com a deteção de raios X e gama, os astrónomos conseguem observar os fenómenos mais poderosos do Universo, tais como buracos negros a engolir matéria e explosões em supernova.

Figura 4: A Nebulosa de Orion, um famoso ‘bersário’, vista a diferentes comprimentos de onda. A moldura azul faz um zoom a parte da Constelação de Orion e a moldura laranja ainda penetra mais profundamente nessa zona, mostrando a Nebulosa de Orion em grande pormenor. Esta região, onde milhares de estrelas estão em formação, parece muito diferente ao longo do espetro EM. Observações na luz visível de telescópios terrestres mostram principalmente estrelas, enquanto observações feitas a comprimentos de onda mais compridos (IV próximo e longínquo, (sub)mm e microondas) revelam a mistura intrincada de gás frio e poeira de onde nascem as estrelas. Em contraste, observações nos raios X mostram o gás estremamente quente ejetado por estrelas jovens e massivas.
As images são cortesia da ESA / AOES Medialab (composição geral); Kosmas Gazeas (luz visível, imagem maior); STScI-DSS (luz visível, imagem mais pequena); ESA, LFI & HFI Consortia (microondas e (sub)mm); AAAS / Science, ESA XMM-Newton e NASA Spitzer (IV intermédio e raios X); NASA, ESA, M Robberto (Space Telescope Science Institute / ESA) e Hubble Space Telescope Orion Treasury Project Team (visível e IV próximo)

Olhando para os céus: a astronomia de solo

Complementares aos telescópios espaciais da ESA existem os telescópios terrestres do European Southern Observatory (ESO)w4. De forma a minimizar a distorção da atmosfera da Terra, o ESO opera telescópios em locais no norte do Chile que estão entre os melhores do hemisfério sul para observações astronómicas, devido à sua elevada altitude e atmosfera seca.

Tal como a ESA, o ESO faz observações nas várias partes do espetro EM. O Very Large Telescope (VLT), do ESO, é o mais avançado telescópio do mundo no visível e no IV, consistindo em quatro telescópios com 8.2m de diâmetro e quatro telescópios mais pequenos que podem trabalhar em conjunto, como um interferómetro, de forma a permitir observações ainda mais detalhadas. No deserto de Atacama o ALMA ainda se encontra em construção, sendo o maior projeto de astronomia terrestre neste momento. O resultado de uma colaboração entre o ESO e parceiros internacionais, o ALMA conseguirá detetar radiação sub-mm e milimétrica, permitindo aos astrónomos observar alguns dos objetos mais frios e mais distantes do Universo com muito maior resolução e sensibilidade do que é possível atualmente (Mignone & Pierce-Price, 2010).

O ESO é membro do EIROforumw5, editores do Science in School.


 

Analisar o cosmos em todo o espetro EM é um dos objetivos científicos da Agência Espacial Europeia (ESA; ver caixa)w2, que presentemente tem cinco missões em operação dedicadas à Astronomia (ver Figura 5). Em ordem de energias crescente, estas são o Planck (sub-mm e microondas), o Herschel (IV), o Hubble Space Telescope (visível, bem como algum IV e UV), XMM-Newton (raios X) e INTEGRAL (raios gama e raios X)w3.

Figura 5: A atual e futura frota de missões ESA para amostrar o Universo através do espetro EM. Da esquerda para a direita: ondas rádio, microondas, radiação sub-mm, IV, luz visível, UV, raios X e raios gama. Clicar na imagem para aumentar.
A imagem é cortesia da ESA

Em futuros artigos Science in School exploraremos o espetro EM em ainda mais detalhe com a ajuda da frota de telescópios espaciais da ESA, do passado e do presente, que têm contribuído para reformular a nossa compreensão do Universo.


References

Web References

Resources

  • Os videocasts Science@ESA exploram o nosso Universo através dos olhos da frota de naves da ESA. O primeiro episódio (‘The full spectrum’) examina porque precisamos de enviar telescópios para o espaço e o que podem estes dizer-nos sobre o Universo. Ver: http://sci.esa.int/vodcast
  • Para saber mais sobre a atmosfera da Terra e o papel – e perda – do ozono, ver:
  • Para ver como o professor de Física Alessio Bernadelli inspirou os seus alunos acerca do espetro EM ao colocá-los a produzir o seu próprio programa de TV no assunto, ver o blog do Alessio (http://alessiobernardelli.wordpress.com) ou utilizar o link direto: http://tinyurl.com/42ow4a9
  • Para descobrir como o comprimento de onda a que um determinado objeto celeste emite a maior parte da sua luz está relacionado com a temperatura do objeto, ver: http://sci.esa.int/jump.cfm?oid=48986
  • A ESA produziu uma vasta gama de materiais educacionais gratuitos, para apoio aos professores na sala de aula, que incluem materiais impressos, DVDs e videos online, kits para ensino e páginas web. Para ver a lista completa, visitar: www.esa.int/educationmaterials
  • Para saber mais sobre todas as atividades da ESA na educação, ver: www.esa.int/education

Institutions

Author(s)

Claudia Mignone, Vitrociset Belgium for ESA – European Space Agency, é uma jornalista científica da ESA. Tem uma licenciatura em Astronomia pela Universidade de Bolonha (Itália) e um doutoramento em cosmologia pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Antes de se juntar à ESA, trabalhou no gabinete de divulgação científica do European Southern Observatory (ESO).

Rebecca Barnes, HE Space Operations for ESA – European Space Agency,é a Secretária da Educação do ESA Science and Robotic Exploration Directorate. Tem uma licenciatura em Física com Astrofísica da Universidade de Leicester, Reino Unido, e trabalhou antes em departamentos de educação e comunicação do UK’s National Space Centre. Para saber mais sobre as atividades de educação do ESA Science and Robotic Exploration Directorate, contactar a Rebecca em SciEdu@esa.int

Review

Este artigo apresenta ao leitor aplicações do espetro eletromagnético que não são normalmente consideradas quando este tópico é abordado. Além disso, fornece oportunidades para os professores envolverem os seus estudantes e motiva mais investigação neste fascinante tópico.

Os videocasts da ESA mencionados na secção de recursos são material excelente para envolver aprendizes no tópico da radiação EM. Os professores também se podem registar para receber os últimos videocasts.

Possíveis questões de compreensão e extensão seriam:

  1. Que tipo de onda é a radiação eletromagnética? Transversal ou longitudinal?
  2. Dá exemplos de tipos de radiação eletromagnética com maiores e menores frequências do que a luz visível.
  3. Descreve algumas aplicações tecnológicas para a luz e as ondas rádio.
  4. Achas que a poluição afeta a quantidade de radiação detetada? Dá as razões da tua resposta.
  5. Diz um efeito problemático da luz UV quando não é parada pelo ozono nas camadas superiores da atmosfera.
  6. Qual é o maior problema no uso de telescópios na Terra?

Normalmente associamos o lançamento de telescópios astronómicos com a NASA. Este artigo, contudo, torna claro que a Europa está também ativamente a estudar os céus – o que deve trazer o tópico mais próximo de casa para os estudantes europeus e torna a ciência mais relevante para estes.

Angela Charles, Malta

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