Traduzido por António Daniel Barbosa.
Um grupo de investigadores alemães tem revelado a sabedoria medicinal da Idade Média.
Cisterciense de Maulbronn,
no sul da Alemanha,
preservaram e transmitiram
conhecimento importante
sobre medicina herbal na
Idade Média.
Imagem cortesia de
WeiterWinkel / Flickr
A maioria das pessoas pensa na medicina herbal somente como uma opção “alternativa”– algo que pode ser usado numa tosse ou constipação que persista, mas não numa doença grave. Contudo, o historiador da medicina Dr Johannes Mayer leva-a muito mais a sério: ele acredita que os medicamentos herbais descritos nos textos medievais podem ser excelentes pontos de partida para tratamentos modernos altamente eficazes, mesmo em doenças como o cancro. E ele não está sozinho, uma vez que o seu trabalho já atraiu a atenção (e financiamento!) do gigante farmacêutico GlaxoSmithKline.
O objetivo principal do grupo de investigação do Dr Mayer na Universidade de Würzburg, Alemanha, é a medicina monástica (Klostermedizin em alemão). Durante os últimos 30 anos, os membros do grupo têm examinado minuciosamente manuscritos monásticos que datam do século VIII em diante, traduzindo e publicando detalhes de remédios à base de plantas e as doenças que estes supostamente tratam.
Canigou foi construída no
século X no sul de França.
Continha um jardim herbal
onde muitos tipos de plantas
medicinais locais eram
cultivados.
Imagem cortesia de Isabelle
Kling
O seu trabalho passou de âmbito histórico para um campo mais científico há cerca de 14 anos, quando o grupo recebeu a visita de um administrador da GlaxoSmithKline. Quando o visitante perguntou “O que é a medicina monástica? São orações ou algo do género?”, o Dr Mayer explicou que, de facto, consistia na elucidação dos tratamentos herbais documentados por mosteiros e a investigação dos seus efeitos fisiológicos.
A visita levou a que um grupo de investigação fosse estabelecido na universidade, com o patrocínio da GlaxoSmithKline, para investigar medicamentos modernos eficazes derivados de conhecimento monástico medieval. Até ao presente, a colaboração levou ao desenvolvimento de alguns produtos para o tratamento da gripe comum, apropriadamente comercializados com o nome Abtei (“abadia” em alemão). O grupo tem agora outras ligações com indústrias farmacêuticas, bem como com o Hospital Universitário de Würzburg.
A fonte inicial desses resultados frutíferos é a enorme variedade de textos históricos. “Inicialmente tentámos investigar plantas documentadas em mosteiros que eram usadas na Alta Idade Média, entre os séculos VIII e XII”, disse o Dr Mayer. “Mas agora estamos a investigar toda a História das plantas medicinais na Europa até aos dias de hoje, procurando indicações do que pode ser útil.”
investigação Klostermedizin
iniciou um projeto
juntamente com Abtei para
investigar os princípios
ativos e mecanismos pelos
quais o lúpulo (Humulus
lupulus) e a valeriana
(Valeriana officinalis)
funcionam como sedativos
(ver, por exemplo,
Schellenberg et al., 2004).
Eles descobriram que os
linhanos no lúpulo
funcionam de forma
semelhante à adenosina, um
neurotransmissor inibitório
que promove o sono. O
lúpulo funciona de forma
semelhante à hormona
melatonia, que participa
no relógio circadiano.
Imagem cortesia de Heike Will
A investigação envolve diversos passos: tradução de textos (frequentemente a partir do Latim medieval), identificação precisa da planta usada em cada tratamento – uma tarefa complicada considerando a falta de consistência e variedade de nomes comuns usados em muitas plantas – e posteriormente a descoberta dos princípios ativos.
Alguns destes ingredientes são então testados em laboratórios do Hospital Universitário de Würzburg ou nas indústrias farmacêuticas parceiras. Por exemplo, cientistas no departamento de otorrinolaringologia do hospital estão atualmente a testar o efeito de extratos à base de água e álcool de Osmunda regalis (Feto Real) e de Chelidonium majus (Quelidónia-maior) em culturas de células cancerígenas do ouvido. Finalmente, algumas pistas promissoras foram transmitidas para o desenvolvimento potencial de novos medicamentos, sendo testados em ensaios clínicos e outros testes para estarem de acordo com os requerimentos legais. Por exemplo, se os extratos de feto e quelidónia se mostrarem eficazes, os ensaios clínicos serão realizados no hospital.
Este processo complexo reflete-se nas especialidades multidisciplinares da equipa do Dr. Mayer, que integra académicos com diversas formações: historiadores de medicina e peritos de Latim e Grego antigo, além de químicos, biólogos e farmacêuticos – todos são necessários para compreender em profundidade as receitas medievais. Há também especialistas que o grupo pode consultar – incluindo um monge Cisterciense que é biólogo.
A formação do Dr. Mayer é em História. “Primeiro estudei História, depois História da Medicina e foi assim que descobri que não sabemos quais as plantas que eram usadas na Idade Média. Então, comecei a fazer uma base de dados sobre as plantas da História usadas na Europa”, declarou.
salva, é mencionada em
manuscritos medievais como
sendo útil para melhorar a
memória. Investigação
recente da Universidade de
Newcastle, Reino Unido,
mostrou que é eficaz para
este fim (parece ajudar na
redução da degradação do
neurotransmissor
acetilcolina), o que a torna
um candidato na
exploração de um
tratamento para demência
(Scholey et al., 2008). No
entanto, o desenvolvimento
de drogas e ensaios clínicos
demoram o seu tempo, pelo
que o Dr. Mayer espera que
sejam necessários mais dez
anos para que uma droga
com base em salva se torne
disponível.
Imagem cortesia de Heike Will
Apesar da maioria dos textos-chave estarem escritos em latim, em muitos casos estes são traduções de textos anteriores escritos em árabe, alguns dos quais contêm também conhecimento proveniente de autores da Grécia antiga como Aristóteles. Como explica o Dr. Mayer: “No início da Idade Média não existia muita literatura aqui na Europa, e Plínio, o Velho (23-79 d.C.), foi o autor mais importante da antiguidade para a medicina monástica. Depois, no século XI, começaram a traduzir textos do árabe para latim, e assim foram introduzidas imensas plantas na medicina Europeia.”
Um exemplo é a Alpinia officinarum, uma planta usada no tratamento de problemas respiratórios e também no relaxamento. Apesar de esta planta ser endémica na Europa, o seu uso medicinal começou apenas após a chegada dos textos de medicina árabe.
Com o tempo, a tradução de textos árabes acabou por ofuscar a era da medicina monástica, pois levou à fundação de muitas universidades no século XIII. Desta altura em diante passaram a existir médicos profissionais, e a medicina monástica tornou-se menos importante.
officinalis)
Imagem cortesia de Heike
Will
No entanto, existiu um novo período para a medicina monástica no século XVI, uma vez que muitos missionários enviados para as terras recentemente descobertas nas Américas eram monges. “Os missionários estavam interessados em descobrir o que os nativo-americanos faziam com as suas plantas na América Central e do Sul. Desta forma, escreveram livros sobre o uso destas plantas, e enviaram a informação para a Europa,” esclarece o Dr. Mayer.
Hoje em dia, o grupo do Dr. Mayer colabora não apenas com a indústria mas também com mosteiros ativos, aconselhando sobre plantas específicas a plantar nos jardins do mosteiro e o seu uso em infusões tipo chá e em loções. Eles organizam ainda cursos para o público no mosteiro local em Oberzell – o que constitui uma fonte adicional de financiamento para o grupo.
O Dr. Mayer descobriu que cultivar plantas nem sempre é a melhor forma de as obter, por serem difíceis de cultivar ou porque os ingredientes resultantes de plantas selvagens são melhores dos que os obtidos a partir de plantas cultivadas.
“É necessário ir aos bosques para encontrar estas plantas, como a Arnica montana; é muito difícil de cultivar esta planta e obter folhas suficientes,” explica. “Mas no estado selvagem cresce bem.” Talvez seja uma lembrança da fabulosa complexidade da natureza, tão evidente nos dias de hoje tal como foi para as pessoas da Idade Média.
Apesar de muitas plantas terem sido usadas tradicionalmente na medicina, poucas foram investigadas cientificamente para descobrir se são de facto remédios seguros e eficazes nas doenças que se assume tratarem. Além de estudos de laboratório, tais como os conduzidos pelo grupo do Dr. Mayer, a eficácia clínica de um tratamento também precisa ser testada.
Os cientistas concordam que a melhor maneira de descobrir o efeito de um tratamento é através de um ensaio clínico de alta qualidade, ou RCT (ensaio controlado aleatório). Estes incluem diversos cuidados para assegurar que os resultados obtidos não são tendenciosos:
podem ajudar a prevenir
infeções do trato urinário.
Imagem cortesia de Liz West
/ Wikimedia
Apesar de tudo isto parecer muito complicado, sem estas precauções os resultados podiam ser facilmente devidos a outros fatores que não o tratamento em si mesmo, pelo que não seriam de confiança. Mesmo quando realizado um estudo de alta qualidade, os resultados precisam de ser examinados juntamente com outros provenientes de ensaios semelhantes para ver o que as evidências no geral sugerem. (Para aprender mais sobre ensaios clínicos, consultarGarner & Thomas, 2010, e Brown, 2011.)
validado em ensaios clínicos
como sendo eficaz no
tratamento da depressão.
Imagem cortesia de Heike Will
Tratamentos herbais que são apoiados em evidências de alta qualidade incluem:
Os alunos podem desenvolver a sua própria investigação sobre medicamentos herbais que se sabe serem eficazes – ou não. Peça-lhes talvez que investiguem alguns remédios herbais comuns (por exemplo equinácea, prímula, nogueira-do-japão, ginseng, valeriana) e que expliquem o que sugere a informação disponível e o quão confiável eles pensam ser essa informação.
Uma das melhores ferramentas para conhecer a eficácia de medicamentos de todos os tipos é através da página da internet da Colaboração Cochranew2. A Colaboração Cochrane realiza revisões de dados de ensaios clínicos para estabelecer se existem evidências sólidas da eficácia de um tratamento. As revisões podem ser acedidas através da página de internet da Cochrane.
Outra fonte de informação é o The Handbook of Clinically Tested Herbal Remediesw1 de Marilyn Barrett (2004), que pode ser acedido online. A autora compilou evidências de ensaios de mais de 30 remédios herbais comumente usados, juntamente com revisões de cada ensaio e classificação da qualidade das evidências que cada um fornece (classificado em I, II ou III).
A mais recente revisão das evidências da eficácia dos mirtilos-vermelhos na prevenção de infeções do trato urinário não mostrou um benefício significativo.
Khan Y (2006) 1000 years of missing science. Science in School 3: 67-70.