Traduzido por Maria João Fonseca. Quando o seu médico lhe prescreve um comprimido e você melhora, isso deve-se mesmo ao efeito do medicamento ou à cor dos comprimidos? Andrew Brown investiga o efeito placebo.
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Em 1796, o médico Americano Elisha Perkins patenteou o seu ‘Tractor Perkins’, o qual alegava ter a capacidade de “eliminar o fluido eléctrico nocivo que está na base de todo o sofrimento”. Composto por duas varetas de metal, o dispositivo era agitado por cima do corpo do paciente. Relatos dos seus poderes curativos chamaram a atenção do médico Inglês John Haygarth que, em experiências controladas, demonstrou que apesar de o Tractor Perkins aliviar efectivamente os sintomas, o mesmo efeito seria conseguido com uma réplica em madeira. Foi o primeiro a demonstrar que é possível alcançar uma resposta terapêutica com algo inerte do ponto de vista farmacológico – aquilo que designamos actualmente por efeito placebo.
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da imagem: Wikimedia
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O efeito placebo é frequentemente considerado um fenómeno não fisiológico, mas sim psicológico – os pacientes apenas pensam que estão melhores. Mas, tal como demonstrado por ensaios clínicos, é bem mais do que isso. Por exemplo, num ensaio Sueco envolvendo pacientes cardíacos, foi colocado um pacemaker nos pacientes do grupo controlo placebo idêntico aos do grupo experimental, mas o aparelho foi desligado sem que lhes fosse dado conhecimento. Surpreendentemente, após três meses os sintomas dos pacientes em ambos os grupos sofreram melhorias. Ainda mais inesperadamente, os médicos conseguiram medir a melhoria nos pacientes do grupo controlo placebo como um aumento no fluxo sanguíneo a partir do coração (Linde et al., 1999).
psicossocial consiste numa
diversidade de factores que
simbolizam o facto de uma
terapia estar a ser realizada.
Um placebo físico (tal como
um comprimido de açúcar)
pode constituir apenas um
desses factores. Na imagem
aqui apresentada, muitas das
sensações do paciente (visão,
olfacto, tacto e audição) são
bombardeadas com
estímulos. Clique na imagem
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Imagem cortesia de Nicola Graf
Portanto, o que se está a passar? Tal como explica Fabrizio Benedetti, professor de psicologia e neurociência e um especialista no efeito placebo: “o efeito placebo é um fenómeno neurobiológico real, em que algo acontece no cérebro do paciente”. É desencadeado não pelos ingredientes do placebo em si, mas pelo que este simboliza. Num contexto clínico, há inúmeros factores simbólicos, os quais Benedetti designa colectivamente como ‘contexto psicossocial’ (Figura 1): “A imagem e as palavras do médico, o cheiro dos medicamentos, os aparelhos do hospital: todos estes estímulos sensoriais e sociais permitem ao paciente reconhecer que a terapia está a ser levada a cabo.” A expectativa do paciente em relação a um efeito terapêutico espoleta o efeito placebo.
Mas o contexto psicossocial também pode determinar a força e o tipo de efeito placebo. Por exemplo, o número, a cor e até mesmo a embalagem dos comprimidos podem influenciar os seus efeitos (para detalhes acerca da investigação subjacente a estas observações, ver a informação de apoio onlinew1). Num estudo realizado nos EUA no qual foi dado um comprimido de açúcar inerte a metade dos participantes, tendo a outra metade recebido acupunctura simulada (as agulhas não perfuravam mesmo a pele), verificou-se que a acupunctura simulada era significativamente mais eficaz a aliviar a dor do que o comprimido de açúcar, enquanto este ajudava os pacientes a dormir (Kaptchuk, 2006).
Mas então como é que o contexto psicossocial provoca modificações neurobiológicas no cérebro? Quando um paciente antecipa um tratamento terapêutico, são libertados neurotransmissores. Estes ligam-se aos receptores correspondentes, estimulando a libertação de outras moléculas ao nível do cérebro e de outros órgãos, nomeadamente hormonas, mediadores imunitários e outros neurotransmissores, as quais provocam mudanças fisiológicas de longo alcance que podem gerar um efeito terapêutico.
O trabalho de Benedetti acerca da dor e de desordens relacionadas com a função motora demonstra que as modificações neurobiológicas podem assumir muitas formas: “Se se espera uma diminuição da dor, libertam-se opióides endógenos. Se se espera uma melhoria motora, é libertado um neurotransmissor completamente diferente, a dopamina” (Figura 2).
Reimpresso de de la Fuente-Fernández R, Stoessl AJ. (2002) The placebo effect in Parkinson’s disease. Trends in Neuroscience 25(6): 302-306. doi: 10.1016/S0166-2236(02)02181-1. Copyright 2002, com permissão de Elsevier
“Mas a questão crucial”, explica Benedetti, “é como aquilo que o cérebro espera pode desencadear uma libertação específica de neurotransmissores.” Actualmente admite que não dispomos de uma resposta definitiva a esta questão, mas existem dois mecanismos que têm sido particularmente bem estudados (Figura 3):
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Ambas as redes de ansiedade e de recompensa controlam muitas vias bioquímicas e órgãos associados. No estudo do pacemaker desligado, pensa-se que a condição cardíaca dos pacientes do grupo placebo melhorou porque eles estavam menos ansiosos e produziram níveis mais baixos de hormonas catecolaminas relacionadas com a resposta ao stress, que se sabe terem a capacidade de alterar a função cardíaca.
A investigação acerca do efeito placebo ainda está numa fase muito insipiente; a investigação futura mais excitante talvez se foque no efeito placebo ao nível da medicina convencional. Benedetti já começou, analisando o efeito placebo de medicamentos reais. Por exemplo, num ensaio, verificou que uma injecção do poderoso analgésico metamizol era eficaz a reduzir a dor pós-operatória dos pacientes, enquanto uma administração dissimulada do composto (através de um tubo previamente aplicado) era completamente ineficaz (Colloca & Benedetti, 2005). Deste modo, o efeito analgésico da injecção devia-se inteiramente ao efeito placebo.
Isto é revolucionário: a ideia de que a eficácia dos medicamentos pode ser afectada tão profundamente pelo contexto em que são administradas. Para a profissão médica, o desafio será assegurar a utilização mais eficaz e ética do efeito placebo.
Este artigo é baseado numa entrevista e palestraw2 realizadas no European Molecular Biology Laboratory (EMBL), em Heidelberg, Alemanha, por Fabrizio Benedetti, professor de fisiologia e neurociências na University of Turin Medical School e no National Institute of Neuroscience em Itália.
Para versões mp3, consultar www.badscience.net
Hayes (2011) Review of Bad Science. Science in School 18. www.scienceinschool.org/2011/issue18/badscience
Silberman S (2009) Placebos are getting more effective. Drugmakers are desperate to know why. Wired Magazine. Visit the Wired Magazine website (www.wired.com/magazine) or use the direct link: http://tinyurl.com/mwlxfp