Alterações climáticas: por que razão os oceanos são importantes? Understand article

Traduzido por Bruno Fontinha. O papel dos nossos oceanos nas alterações climáticas é mais complicado do que se possa pensar.

Imagem cortesia de Dirk
Dallas; origem da imagem:
Flickr

Os oceanos do nosso mundo são verdadeiramente vastos, cobrindo 71% da superfície da Terra e contendo 97% da água da Terra. Se estamos verdadeiramente preocupados com os factores que afectam o clima global, precisamos de também olhar para os oceanos.

Tal como a maior parte das áreas relacionadas com as mudanças climáticas (que consite numa mudança na temperatura média da superfície da Terra), o papel que os oceanos desempenham é complexo. Os principais factores envolvidos consitem em compostos gerados pelo próprio oceano (incluindo o vapor de água) que escapam para a atmosfera; dióxido de carbono que se dissolve na água do mar; e o papel dos oceanos como um dissipador de calor.

Vapor de água: aquecimento ou arrefecimento?

Quando pensamos sobre os gáses envolvidos nas alterações climáticas, geralmente pensamos no dióxido de carbono e talvez em alguns outros gáses na atmosfera como o metano. Estes gáses contribuem para o efeito de estufa pela absorção e retençao da energia infravermelha (calor) proveniente da superfície da Terra. Na realidade, o gás com o maior potencial de efeito de estufa presente na atmosfera não é qualquer um dos mencionados anteriores, mas simplesmente H2O sob a forma de vapor de água (figura 1).

O vapor de água presente na atmosfera absorve entre 36-85% da energia infravermelha que emana da Terra, quando  comparado com a muita menor percentagem absorvida pelo dióxido de carbono (CO2) que se situa entre 9-26%, e 4-9% pelo metano (CH4). A principal fonte de vapor de água atmosférica é a evaporação dos oceanos.

Embora o vapor de água possua um enorme efeito sobre o nosso planeta, devido ao calor que retém, possui, também, um impacto sobre o clima devido ao efeito de aquecimento de outros gáses com efeito de estufa como o CO2 e CH4. Se não houvesse tais gáses com efeito de estufa na atmosfera, a temperatura média da superfície da Terra seria muito mais fria – cerca de -18 °C – e muito pouca água evaporaria para a atmosfera. A presença de gáses com efeito de estufa na atmosfera aumenta a temperatura da superfície da Terra, que por sua vez leva à evaporação da água. Isso aumenta ainda mais o aquecimento devido ao efeito de estufa proveniente do vapor de água e assim por adiante. Este “ciclo vicioso”, onde diferentes factores agravam-se mutuamente, é chamado um loop de feedback positivo.

Mas o vapor de água também tem um efeito inverso: mais vapor de água no ar significa mais nuvens. As nuvens reflectem muita da luz solar recebida de volta para o espaço, produzindo um efeito de arrefecimento que move o clima global no sentido oposto ao do efeito de estufa. Actualmente, o efeito global das nuvens é de arrefecer a superfície da terra em cerca de 5 °C, mas não sabemos qual destes dois factores concorrentes – o aquecimento ou arrefecimento do vapor de água – dominaria num clima mais quente.
 

Figura 1: concentrações médias anuais de vapor de água no Mundo, registadas à superfície
Imagen courtesia de RG Derwent, RD Scientific, UK

Outros componentes dos oceanos

Além do vapor de água, os oceanos libertam outros compostos para a atmosfera, que contribuem também para as alterações climáticas. Alguns destes componentes que se escapam dos oceanos criam pequenas partículas na atmosfera, funcionando como pequenas sementes de nuvens, permitindo deste modo que o vapor de água se condense e forme nuvens.

Um dos mais importantes compostos de semeadura de nuvens na atmosfera é o sulfeto de dimetilo (CH3SCH3), um composto de enxofre produzido pelo fitoplâncton (plankton semelhante às plantas) presente nos oceanos. Este composto evapora-se facilmente na atmosfera, onde oxida para formar o dióxido de enxofre (SO2) e ácido sulfónico de metano (MSA). O dióxido de enxofre combina-se com a água na atmosfera para formar ácido sulfúrico, produzindo iões sulfato, SO42-. Estes e o MSA são agentes muito eficazes de semeadura, permitindo que o vapor de água se condense em gotas, levando à formação de nuvens.

Outro grupo de compostos que entram na atmosfera a partir dos oceanos são as organohalogénios – por exemplo o cloreto de metilo (CH3Cl). Tal como os seus homólogos sintéticos (por exemplo, clorofluorocarbonos ou CFC), os organohalogénios favourecem a degradação do ozono na estratosfera, através de uma reacção fotoquímica com o ozono. O ozono possui um papel importante na absorção de radiação solar, protegendo-nos contra a radiação UV, mas no entanto é o também um gás com um efeito de estufa tremendo – mais ainda, tal como o dióxido de carbono, é produzido pela actividade humana. Na verdade, o aumento dos níveis de ozono desde o início da industrialização ao longo dos últimos 200 anos é responsável por cerca de 15% de todas as emissões antropogénicas (de origem humana) com efeito de estufa. Os organohologénios derivados dos oceanos contribuem, assim, para uma redução do aquecimento global através da redução da concentração de ozono na atmosfera.

O CO2 dissolvido: o efeito de estufa fugitivo

Os oceanos possuem também um papel vital na absorcao de CO2. O dióxido de carbono libertado através da queima de combustíveis fósseis e de outras actividades humanas, assim como o proveniente da bioesfera, é absorvido quer pela atmosfera quer pelos oceanos. Apesar de a atmosfera da Terra conter cerca de 3 triliões (3 × 1012) de toneladas de dióxido de carbono, cerca de 50 vezes mais CO2 encontra-se presente nos oceanos.

Na superficie dos oceanos, o dióxido de carbono proveniente da atmosfera dissolve-se na água. Aqui, ele reage com a água para formar ácido carbônico (H2CO3), hidrogenocarbonato de bicarbonato (HCO3), e iões de carbonato de cálcio CO32-):

CO2(g)            +            H2O(l)            →            H2CO3(aq)  

H2CO3(aq)      ⇌            HCO3 (aq)     +            H+ (aq)           

Estas reacções reduzem a quantidade de CO2 dissolvido, fazendo com que uma maior quantidade de CO2 seja absorvido pela atmosfera.

O CO2 dissolvido na superfície é depois dispersado ao longo da profundidade do oceano por um processo chamado de bomba de solubilidade. Devido ao facto que o CO2 é mais solúvel em água fria do que em água quente (figura 2), e as profundezas do oceano são mais frias do que a superfície, o CO2 é repelido da superfície em direcção a águas mais profundas.

Se houver um aumento da temperatura do mar devido às alterações climáticas, então mais dióxido de carbono será liberado devido à sua menor solubilidade em temperaturas mais altas. Esta quantidade extra de CO2 contribui para o efeito de estufa, aumentando a temperatura do oceano ainda mais e libertando ainda mais dióxido de carbono e assim por diante – criando outro feedback positivo e potencialmente conducente a um enorme efeito de estufa.

Figura 2: a solubilidade do dióxido de carbono diminui com o aumento da temperatura
Imagen courtesia de Nicola Graf; data source: Handbook of Chemistry & Physics (1953), CRC
 

A absorver calor

A imensa vastidão dos oceanos é um factor chave no seu papel em matéria de alterações climáticas. Ela determina a quantidade do excesso de calor produzido pelo aquecimento global que pode ser absorvido pelos oceanos – muito mais do que pela atmosfera.

Podemos fazer um cálculo para comparar o aumento da temperatura dos oceanos e da atmosfera quando a mesma quantidade de calor é adicionada a ambos (ver caixa). Este cálculo revela que a capacidade térmica dos oceanos é de aproximadamente mil vezes do que a da atmosfera, de modo que os oceanos irão demonstrar um muito menor aumento de temperatura para a mesma quantidade de energia calorífica absorvida. Isto significa que as escalas temporais para as alterações climáticas são impulsionadas principalmente pela massa térmica do oceano, e não pela a da atmosfera. Evidentemente, isso não significa que a temperatura não irá aumentar – mas, no entanto, a escala temporal será muito maior do que tem sido geralmente assumido.
 

Aquecendo o mundo: um cálculo

Podemos comparar como a temperatura da atmosfera e dos oceanos aumentariam se a mesma quantidade de energia térmica fossem adicionados a ambos. Para manter as coisas simples, vamos usar valores aproximados ao longo do cálculo. (A capacidade de calor de uma substância é a quantidade de energia necessária para elevar a temperatura de cada quilograma por um Kelvin (K) – que é o mesmo que um grau Celsius).
 

Massa dos oceanos da Terra

Capacidade de calor da água salgada

Capacidade de calor dos oceanos

= 1.3 x 1021 kg

~ 4.0 x 103 J kg-1 K-1

~ 1.3 x 4.0 x 1024

= 5.2 x 1024 J K-1

Assim, seriam necessarios 5.2 x 1024 J de energia para aumentar a temperatura dos oceanos em 1 K.

Compare-se este valor com a capacidade de calor da atmosfera:
 

Massa da atmosfera da Terra

Capacidade de calor do ar

Capacidade de calor da atmosfera

= 5.1 x 1018 kg

~ 1.0 x 103 J kg-1 K-1

~ 5.1 x 1.0 x 1021

= 5.1 x 1021 J K-1

Assim, seriam necessarios 5 x 1021 J de energia para aumentar a temperatura da atmosfera em 1 K.

Podemos também ver que o quociente:

Capacidade de calor dos oceanos / Capacidade de calor da atmosfera  =  5.2 x 1024 /  5.1 x 1021   =  ~  1000 J K-1

Isso significa que, a uma taxa de aquecimento de 1 W (1 J s-1) por metro quadrado em toda a superfície da Terra (cerca de 5,1 x 108 km2), levaria cerca de 116 dias para causar um aumento na temperatura de 1 K (ou 1 °C) na atmosfera – mas 324 anos para causar o mesmo aumento na temperatura no oceano.

Oceanos e o futuro

Qual é então o papel que os oceanos desempenham em matéria de alterações climáticas? A resposta é complexa. Compostos libertados dos oceanos podem contribuir quer para o aquecimento do clima, agindo como gases com efeito de estufa, quer para o arrefecimento do clima, através das nuvens. Os oceanos podem, por si próprios, absorver a energia de calor e agir como um lavatório de dióxido de carbono – mas à medida qe a temperatura da água sobe, um loop de feedback positivo pode surgir. Mais ainda, o impacto global dos nossos oceanos sobre as alterações climáticas não é claro, mas, no entanto, os cientistas continuam a estudar todos esses sistemas de forma a que à medida que modelos mais complxos forem surgindo, nós possamos obter uma melhor compreensão sobre o futuro do nosso planeta.


References

Resources

Author(s)

Todos os autores são da School of Chemistry da University of Bristol, Reino Unido. Tim Harrison é Comunicador de Ciência em residência, Dudley Shallcross é Professor de Química Atmosférica e Anwar Khan é o Director de Investigação do grupo de Química Atmosférica.

Review

Este artigo fornece uma visão geral e clara sobre o papel que os oceanos desempenham em matéria de alterações climáticas. Especificamente, o artigo discute o efeito de compostos tais como vapor de água, o potencial dissipador de efeito de estufa do CO2 dissolvido e o diferencial de capacidade de calor dos oceanos e da atmosfera.

O artigo pode ser usado para juntar química, biologia e ciências da terra, abrangendo tópicos como o efeito de estufa e o ciclo da água.

Enrico Capaccio, Liceo S Bellarmino, Italia

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