Glaciares em Marte: à procura do gelo Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. Um dos principais interesses científicos de Marte é a água. Será que existe água em Marte?

Imagem de Marte com cores
reais. A imagem foi adquirida
em 2007 de uma distância de
cerca de 240 000 km; a sua
resolução é de cerca de 5
km/pixel.

A imagem é cortesia da ESA
2007 MPS para a equipa
OSIRIS;MPS/UPD/ LAM/IAA/
RSSD/INTA/ UPM/ DASP/ IDA

No momento esperado, a sonda orbital, voando a cerca de 300 km de altitude e 3.5 km/s, focou a superfície árida, fria e avermelhada do planeta e abriu o diafragma da câmara precisa e complexa. Uma nova imagem da superfície marciana egigabytes de dados foram então registados no mesmo momento. Este processo foi repetido muitas vezes nas décadas recentes por diferentes sondas orbitais ou de superfície e porroversw1 que enviámos ao nosso planeta mais próximo. Toda a nova imagem e conjunto de dados aumentam a incrivelmente grande base de dadosw2,w3 com informação sobre Marte. Cientistas de todo o mundo utilizam estes recursos para estudar o ambiente químico, físico, climático e geológico do planeta, com o objetivo de compreender mais sobre Marte e como este – e mesmo a Terra – evoluiu.

Esta disponibilidade geral de imagensw4 e de dados é um dos mais espantosos fenómenos na História da Ciência, uma vez que nunca antes tantos peritos partilharam tanta informação nem produziram tantos modelos e resultados.

 

Sabe-se a composição das calotes polares marcianas?

A calote polar norte de Marte é, principalmente, composta de gelo de água (H2O). Contudo, a calote polar sul contém tanto gelo de água quando gelo carbónico (CO2).

 

Água e gelo em Marte

Um dos principais interesses científicos de Marte é a água. Será que existe água em Marte? Onde se encontra? É líquida ou gelada? No passado existiam oceanos, mares, lagos e rios em Marte? Como desapareceram? Está o seu desaparecimento relacionado com os climas do passado e atual do planeta? Mas também: existe, ou terá existido, vida em Marte? E será que os humanos poderão viver lá um dia?

Terreno poligonal perto da
calote polar norte de Marte,
onde gelo de água foi
observado apenas alguns
centímetros abaixo da
superfície.

As imagens são cortesia da
NASA/JPL/University of Arizona

Graças aos dados recolhidos pelas sondas orbitais, de superfície e roversw5, sabemos que Marte teve água líquida há milhões de anos – fluindo na sua superfície, enchendo os fundos de crateras de impacto, formando lagos, fluindo pelos flancos abaixo de alguns vulcões e das terras altas marcianas para as terras baixas, onde um imenso oceano pode ter existido (referido como Oceanus Borealis).

Quanto a água no estado sólido, a questão é outra. Calores polares geladas foram identificadas em Marte com telescópios e são facilmente identificadas em imagens de sondas orbitaisw6, tendo solos gelados sido confirmados em vários locais do planeta, principalmente devido a imagens reportadas pela missão Phoenix da NASA em elevadas latitudes. As baixas temperaturas do planeta ao longo do ano, medidas por diferentes sondas de superfície e rovers (tais como Viking I and II, Mars Pathfinder, Spirit, Opportunity e Curiosity, que chegou a Marte em agosto de 2012), confirmam que o gelo é estável a todas as latitudes. De facto, a temperatura média de Marte é de cerca de -80ºC durante o dia; no equador as vertentes expostas ao sol ao meio-dia podem atingir uma temperatura de 15ºC.

O estudo dos glaciares marcianos

Hoje em dia a investigação em gelo marcianow7concentra-se em encontrar provas da sua existência, e da de caraterísticas glaciais, utilizando novas imagens de alta resolução (até 35 cm/pixel) adquiridas por missões ativas da NASA e da Agência Espacial Europeia (ESA). O nosso grupo de investigação estudou em detalhe o flanco noroeste do vulcão Hecates Tholus na região Elysium de Marte, a latitudes tropicais no hemisfério norte. Analisámos todas as imagens disponíveis das diferentes sondas orbitais que cobriram esta região (a diferentes resoluções espetrais, temporais e espaciais) e observámos detalhes que interpretámos como causados por erosão glacial ou sedimentação: moraines, crevassas, rochas moutonnées, circos glaciais, vales pendurados, eskers, drumlins ou arêtes, entre outrosw9.

As nossas interpretações foram baseadas na comparação entre as marsforms (os relevos observados em Marte) e formações terrestres nos Alpes, Islândia ou Antártida, onde conduzimos trabalhos de campo em busca de análogos terrestres. Também utilizámos o método científico das múltiplas hipóteses de trabalho para eliminar outros processos que produziriam características semelhantes, capazes de originar as marsforms observadas. Então, depois de meses de trabalho em frente ao computadorw8 e em diferentes saídas de campo e graças a imagens de satélite e a dados topográficos, espetrométricos e térmicos, conduzimos uma detalhada descrição e mapeámos e determinámos a idade dos detalhes observados no flanco do vulcão marciano. A nossa primeira conclusão, baseada na longa lista de pormenores relacionados com glaciares no vulcão Hecates Tholus, é que uma importante quantidade de gelo existiu aí durante muito tempo, formando glaciares que fluiram encosta abaixo, esculpindo os flancos do edifício.

 

Sabia que os vulções marcianos têm glaciares?

Muitos vulcões marcianos apresentam relevos nos seus flancos que são causados por movimentos de gelo glacial – tal qual como vemos na Terra. Esses vulcões não estão localizados a latitudes polares mas sim tropicais. Olympus Mons, Ascraeus Mons e Hecates Tholus são exemplos de vulcões com glaciares, semelhantes ao Monte Kilimanjaro (Tanzania) e ao Cotopaxi (Ecuador) na Terra.

 

Sabia que Marte teve idades do gelo?

A contagem de crateras demonstrou atividade glaciar, tanto antiga (há mais de 1000 milhões de anos) como recente (há menos de dois milhões de anos). Os períodos frios da história de Marte estão relacionados com alterações orbitais (principalmente alterações do ângulo do eixo de rotação) – tal como a Terra, onde os ciclos orbitais controlam a maior parte das alterações climáticas do Quarternário, como descoberto por Milutin Milankovic em 1922!

 

As semelhanças entre marsforms em Hecates Tholus (A) e marcas de superfícies na Deception Island, Antártida (B) ajudam os cientistas a deduzir a sua origem – neste caso, bordos glaciais são observados nas imagens (setas pretas).
As imagens são cortesia de HiRISE/UA/NASA e DigitalGlobe

O problema é que… não conseguimos encontrar gelo em lado nenhum! Contudo, conseguimos ver algumas características que sabemos não poderem durar muito depois do gelo derreter. Este é o caso das crevassas: as fraturas no glaciar desaparecem quando o gelo derrete ou sublima. Não vimos gelo nesta parte de Marte mas conseguimos reconhecer crevassas esculpidas na camada de gelo que cobre o gelo. Por esta razão, a nossa segunda conclusão é que o gelo responsável pelos extensos campos de marsforms glaciais tem de existir ainda debaixo da superfície – ou então derreteu há muito pouco tempo.

Através da contagem de crateras (ver caixa abaixo), também calculámos a idade dos diferentes depósitos glaciares que observámos nas imagens. Encontrámos uma grande gama de idades – de 1000 milhões de anos a 350 000 anos – o que quer dizer que o vulcão Hecates Tholus teve uma longa história na qual os glaciares esculpiram lentamente o seu flanco noroeste. De facto, nós propusemos a existência de períodos frios, quando as línguas de gelo cobriram uma parte importante do vulcão e arredores; e períodos mais quentes, quando os glaciares eram mais pequenos e cobriam apenas parte do flanco, tal como no tempo presente.

 

Sabe como os cientistas estimam a idade das superfícies de Marte?

É simples e eficiente: contam as crateras deixadas por meteoritos após os seus impactos na superfície de Marte – e em qualquer outro planeta ou lua. Elevada densidade de crateras corresponde a superfícies antigas e baixa densidade está relacionada com superfícies jovens.

 

Clicar na imagem para
aumentar. A secção da calote
polar norte de Marte,
baseada em dados de radar
de penetração no solo,
mostrando camadas de gelo
e sedimentos.

A image é cortesia de NASA/
ESA/ JPL-Caltech/University of
Rome/ Washington University
in St. Louis

Passos futuros

Tencionamos repetir o nosso estudo observacional em outras regiões vulcânicas de Marte para ver se o mesmo padrão existe e para conseguirmos ter uma ideia melhor da distribuição global de glaciares e de gelo em Marte. Estes estudos aumentarão o nosso conhecimento sobre o clima, sua evolução e suas características, no nosso planeta vizinho. A presença de marcas glaciares em edifícios vulcânicos pode também indicar locais onde a vida, se existiu, pode ter encontrado água e calor para sobreviver, mesmo no ambiente frio e seco de Marte.

Estudos vindouros utilizarão um novo tipo de ferramenta: radar de penetração. Esta técnica permite a medida das propriedades de materiais abaixo da superfície e investigar as suas variações: se há gelo debaixo da superfície, deve ser fácil de distinguir nos dados de radar, tal como observámos nas calotes polares de Marte. Dados de radar da NASA e da ESA permitir-nos-ão corroborar as nossas interpretações de observações dos glaciares de Hecates Tholus e outras áreas no planeta vermelho, graças a um esforço moderno, colaborativo e interplanetário para o avanço da ciência.

 

Sabia que a água líquida não é estável em Marte?

Toda a água encontrada em Marte existe no estado gasoso ou sólido. A pressão atmosférica de Marte é muito baixa (cerca de 6 mbar, comparada com a média da da Terra: 1013 mbar) e abaixo do mínimo exigido para a estabilidade de água líquida.


References

  • De Pablo MA, Centeno JD (2012) Geomorphological map of the lower NW flank of the Hecates Tholus volcano, Mars (scale 1:100,000). Journal of Maps 8: 208-214

Web References

  • w1 – O site NASA’s Mars Exploration Missions fornece informação sobre todas as missões a Marte, passadas, presentes e futuras, por diferentes países e agências espaciais.
  • w2 – O Planetary Science Archive da ESA acumula dados de missões de exploração planetária e do universo. É de utilização gratuita.
  • w3 – O NASA’s Planetary Data System acumula todos os dados de missões de exploração planetária e do universo. É de utilização gratuita.
  • w4 – O All Mars images webpage da Arizona State University (EUA) mostra todas as imagens de Marte adquiridas durante as missões Viking no final dos anos 1970. Este recurso é de fácil utilização e merece ser investigado.
  • w5 – O Mars Orbital Data Explorer tem uma ferramenta de procura fácil de utilizar, para a extração de dados de qualquer missão a Marte.
  • w6 – O instrumento THEMIS da Mars Odyssey gerou muitas imagens que podem ser pesquisadas por tópico (incluindo relacionados com o gelo). O site é útil para aprender e desenvolver atividades didáticas.
  • w7 – O site do Mars Ice Consortium contém ligações para recursos educacionais gratuitos sobre Marte, de diferentes instituições.
  • w8 – JMars é um Sistema de Informação Geográfica freeware e multi-plataforma que é utilizado por cientistas planetários para a visualização de diferentes tipos de dados de Marte tais como imagens, topografia, espetrometria e muitos outros. O site exige registo (gratuito).
  • w9 – Pode procurar terminologia relacionada com glaciares e fotos no site Glaciers online photo glossary para o Ensino Secundário.

Resources

  • O freeware Google Earth permite aos utilizadores a visualização de imagens, a diferentes resoluções e escalas, não só da Terra mas também de Marte (e da Lua). Pode ser utilizado para efetuar uma análise comparativa.
  • O site Google Mars webpage contém um mapa simples topográfico de Marte e mosaicos de imagens feitas no visível e no infravermelho.
  • Para aprender mais sobre a história e evolução de Marte, ver:
    • Forget C, Costard F, Lognonné P (2006) Planet Mars: story of another world. Chichester, UK: Springer-Verlag/Praxis. ISBN: 978-0387489254

  • Já pensou visitar Marte? Este livro pode dar-lhe todas as boas dicas para o fazer:
    • Hartmann WK (2003) A travelers’ guide to Mars. USA:Workman Publishing Company. ISBN: 978-0761126065

  • Para saber mais sobre a história da água em Marte, ver:
    • Carr MH (1996) The water on Mars. Oxford, UK: Oxford University Press. ISBN: 978-0195099386

  • Para saber mais sobre a geologia de Marte, ver:
    • Carr MH (2006) The surface of Mars. Cambridge, UK: Cambridge University Press. ISBN: 978-0521872010

  • Para saber mais sobre a evolução do clima em Marte e como este já foi húmido e temperado, ler:
    • Kargel JS (2004) Mars: a warmer and wetter planet. Chichester, UK:Springer-Verlag/Praxis. ISBN: 978-1852335687

Author(s)

Miguel Ángel de Pablo é Professor Auxiliar na Universidade de Alcalá em Madrid, Espanha. É um geólogo e foca o seu interesse em Marte desde 1996. Tem experiência em cartografia geológica e geomorfológica, vulcanismo e glaciares que estudou na Islândia e na Antártida. É também membro da Science Team do NASA’s Mars Science Laboratory na Curiosity.

Juan D. Centeno é Professor Associado na Universidade Complutense de Madrid, Espanha. É também um geólogo, com mais de 25 anos de experiência no ensino de geomorfologia e geologia ambiental; estuda formações glaciares, periglaciares e graníticas por todo o mundo.

O Miguel e o Juan agora trabalham juntos no estudo de formações glaciares nos flancos do vulcão Hecates Tholus de Marte.

Review

O artigo é interessante pois mostra a professores e alunos que atualmente a investigação pode ser feita se se passarem muitas horas na pesquisa de bases de dados internacionais gratuitas, se se compararem muitas imagens e, claro, se se for perito numa área científica. Então pode-se emitir uma teoria que deve ser confirmada por outra investigação e assim por diante. Os links suplementares e os recursos educacionais podem ser o ponto de partida para projetos de ensino experimental de ciências com títulos como “Semelhanças entre a Terra e Marte”, “Estudando o Planeta Marte” ou “A Vida em Marte”.

Corina Lavinia Toma, Computer Science High School “Tiberiu Popoviciu” Cluj Napoca, Roménia

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