O charme químico do chocolate Understand article

Traduzido por Ana Luísa Carvalho. Dhara Thakerar, uma estudante do segundo ano de ciências naturais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, elucida-nos sobre a ciência do chocolate.

A utilização de chocolate pelos humanos data do período pré-clássico (de 900 AC até 250 DC). Usando a técnica de HPLC (cromatografia líquida de alta resolução, ou, em inglês, High Performance Liquid Chromatography), os cientistas identificaram resíduos de cacau em recipientes de cerâmica maia, utilizados na preparação de alimentos e datados de 600 AC (Hurst et al., 2002). Numerosas peças de cerâmica e murais maias exibem hieróglifos representando a oferta de chocolate a governantes e deuses. Isto não é surpreendente se considerarmos que a designação latina para cacaueiro, Theobromacacao, significa ‘alimento dos deuses’.

Quando, no século XVI, os conquistadores espanhóis introduziram o chocolate na Europa, a versão doce tornou-se um alimento de luxo em todo o continente. Em 1847, Joseph Storrs Fry comercializou, em Inglaterra, as primeiras barras de chocolate, seguido rapidamente pelos irmãos Cadbury.

Desde então, o chocolate é produzido quotidianamente; no entanto, poucos conhecem a forma como afecta o nosso corpo. A comunicação social dá-nos informação, embora, por vezes, confusa, uma vez que alterna entre uma visão condenadora do chocolate, como trazendo grandes riscos para a saúde, e uma outra visão em que exalta os seus benefícios. Afinal, comer uma pequena dose por dia é bom ou é mau?

O chocolate induz uma sensação de prazer que pode ser explicada pelas suas propriedades físicas. O Professor John Harwood e os seus colegas da Universidade de Cardiff acreditam que o elevado conteúdo de estearatos da manteiga de cacau, um ingrediente essencial do chocolate, é responsável pela forma como se derrete e pela sua estabilidade. A manteiga de cacau contém entre 30% e 37% de estearatos na sua composição lipídica. Como consequência, permanece sólida à temperatura ambiente mas, quando consumida, o seu conteúdo em gordura absorve o calor da boca e derrete à temperatura corporal, produzindo o efeito ‘derrete-se na boca’.

Desde sempre se sugere que o chocolate possua propriedades afrodisíacas: os Aztecas pensavam que dava vigor aos homens e desinibia as mulheres. Na verdade, existe no chocolate um composto químico, designado triptofano, que é usado pelo cérebro para produzir serotonina, um neurotransmissor que induz sensações de prazer. No entanto, a presença do triptofano no chocolate é em pequena quantidade, pelo que a hipótese de o chocolate provocar um aumento da produção de serotonina é ainda controversa.

A feniletilalanina, que promove sentimentos de atracção, excitação, tonturas e apreensão, também foi identificada no chocolate, mas, uma vez mais, a sua baixa concentração pode ser insuficiente para produzir os efeitos tipicamente associados a este composto.

A teobromina – um estimulante fraco encontrado no chocolate – juntamente com outros compostos químicos, tais como a cafeína, pode ser responsável pela sensação muito característica que se verifica ao comer chocolate. Cientistas do Instituto de Neurociências de San Diego sugerem que o chocolate contém substâncias farmacologicamente activas que produzem um efeito tipo marijuana no cérebro, como a anandamida: um neurotransmissor canabinóide (Di Tomaso et al., 1996). O chocolate contém também N-oleoletanolamina e N-linoleoletanolamina, que inibem a degradação da anandamida, prolongando os seus efeitos. Sendo assim, os elevados níveis do neurotransmissor podem intensificar as propriedades sensoriais do chocolate (textura e odor), essenciais para induzir o desejo.

O elevado conteúdo em gordura da maior parte dos chocolates – o Dairy Milk da Cadbury contém 30 g de gordura por cada 100 g – implica que, em excesso, o chocolate pode contribuir para a obesidade, responsável por uma série de problemas de saúde, incluindo doenças cardíacas e diabetes. No entanto, nem todas as acusações são justas. A relação que se pensa existir entre o chocolate e o acne tem sido intensivamente estudada ao longo das últimas três décadas. Num estudo de 1969 pela Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, 65 voluntários com acne moderado comeram: ou barras de chocolate contendo 10 vezes mais chocolate do que o encontrado nas barras comerciais, ou barras idênticas sem chocolate. Os voluntários que, durante quatro semanas, consumiram as quantidades excessivas, não revelaram um aumento significativo de acne (Fulton et al., 1969).

Além disso, não se provou que o chocolate contribua para o aparecimento de cáries dentárias. Pelo contrário, a manteiga de cacau reveste os dentes e ajuda a protegê-los, prevenindo a formação da placa bacteriana. Embora o açucar no chocolate contribua para a formação de cáries, não o faz mais do que o açucar presente noutros alimentos açucarados. Por outro lado, ao alterarem o fluxo sanguíneo para o cérebro e libertarem norepinefrina, alguns dos compostos químicos do chocolate podem causar enxaquecas.

Provavelmente, o melhor compromisso será comer com moderação e escolher, preferencialmente, chocolate preto. Não só contém mais cacau e proporcionalmente menos açucar e gordura do que o chocolate de leite, mas também é rico em compostos antioxidantes, chamados flavonóides. De facto, o chocolate preto contém mais flavonóides do que outros alimentos ricos em antioxidantes, como o vinho tinto. Os flavonóides previnem vários tipos de cancro, protegem os vasos sanguíneos, promovem o bem-estar cardíaco e contrariam a hipertensão moderada.

O chocolate de leite pode não oferecer os mesmos benefícios. Num estudo específico, vários pacientes, em dias separados, comeram 100 g de chocolate preto, 100 g de chocolate preto com um copo (200 ml) de leite gordo, ou 200 g de chocolate de leite (Serafini et al., 2003). Uma hora mais tarde, aqueles que comeram apenas chocolate preto exibiam uma concentração superior de antioxidantes no sangue, sugerindo que o leite presente no chocolate de leite pode interferir com a absorção dos compostos antioxidantes.

A ciência consegue explicar as várias características do chocolate que contribuem para a sua popularidade, mas ainda se discute como ocorrerão os seus efeitos pós-consumo. Embora a sua comercialização como produto para a saúde seja pouco provável, comer, com moderação, as variedades mais escuras pode ser benéfico. Mas uma coisa é certa: tanto do ponto de vista científico quanto sensorial, nada se compara ao chocolate.

Comentário do editor

Agora que já conhece um pouco sobre a teoria do chocolate, é altura do trabalho prático! Veja a actividade que propomos sobre a prova de chocolate aqui.


References

Resources

  • Para mais informação sobre a ciência do chocolate, ver o site Hot Topics da BBC.

Author(s)

Este artigo foi primeiramente publicado na revista BlueSci, uma publicação científica da Universidade de Cambridge.

Review

Mmm… chocolate! Todos o adoram. E é potencialmente benéfico; isto é, se escolhermos o preto e em pequenas quantidades. É isto que este breve, mas muito interessante, artigo da Dhara Thakerar sugere, citando dados científicos que apoiam os seus argumentos.

Embora os pormenores sobre as substâncias químicas presentes no chocolate estejam fora do âmbito dos programas escolares, os seus efeitos no organismo e na saúde podem ser compreendidos facilmente. Sendo assim, este artigo pode ser directamente usado em qualquer aula de ciência para informar os alunos sobre as vantagens e desvantagens de comer chocolate. Além disso, os professores de biologia e de química podem aproveitar este artigo para uma discussão sobre como um determinado alimento pode ser benéfico ou prejudicial, dependendo da forma como fôr consumido ou de quem o consome. De facto, pode organizar-se um debate com grupos de estudantes, uns propondo e outros opondo-se ao hábito de comer chocolate.

Finalmente, se a discussão teórica do assunto fôr considerada insuficiente e necessitar de investigação prática, tudo o que o professor tem que fazer é levar uma caixa de chocolate preto para a aula…

Michalis Hadjimarcou, Chipre

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